Lisboa, 19 de junho de 2023

Exmº Senhor

Reitor da Universidade Nova de Lisboa (UNL)

Campus de Campolide

1099-085 Lisboa

Assunto: pedido de anulação do concurso público para provimento de um lugar de professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa aberto pelo Edital nº 265/2023, de 16 de fevereiro de 2023, por ilegalidades várias

          1. A Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (FDUNL), por deliberação do seu Conselho Científico (CC) de 2 de novembro de 2022, propôs a V. Exª a abertura de um procedimento de concurso público para recrutamento de um lugar de professor catedrático dessa Faculdade no assim designado grupo de “Estudos Transdisciplinares e Sociojurídicos (Filosofia do Direito), área temática ODS-16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes” (anexo nº 1).

          Na sequência de tal reunião, V. Exª autorizou o procedimento em causa, muito lhe agradecendo o envio de documentação necessária que lhe havia requerido com vista à apreciação da respetiva legalidade, pois que tal sucedeu e em tempo, tendo sito publicado o Edital nº 265/2023 (anexo nº 2).

          O mesmo já não posso dizer do conhecimento da totalidade da informação contida na ata do CC que determinou aquele pedido, uma vez que, embora tenha tido acesso à mesma num primeiro momento, posteriormente enderecei um novo pedido à Senhora Presidente do CC, através do qual lhe solicitei a indicação nominal de quem havia votado a deliberação, que não consta da dita ata, requerimento que até ao momento foi ignorado (anexo nº 3).

          2. O Senhor Reitor da UNL bem imaginará que tenho outros assuntos mais interessantes com que me ocupar, dentro e fora da vida académica. Mas este, infelizmente, obriga-me a mais uma carta que devo dirigir-lhe, procurando que a UNL seja uma instituição que se pauta pela rigorosa legalidade.

Compreende bem – estou seguro disso – que como professor catedrático mais antigo em funções da FDUNL, e como fundador desta, não possa deixar de considerar certas práticas como particularmente delicadas, sendo meu dever, por isso, identificá-las, permitindo ao Senhor Reitor intervir, ainda que tenha um departamento jurídico com a obrigação estatutária de perceber e detetar qualquer ilegalidade.

Ora, com o concurso em  causa, é disso que se trata, sabendo que o mesmo está a decorrer, e ao qual concorreram duas pessoas da FDUNL. E, além do mais, este concurso lembra-me o “famoso” procedimento concursal em que foi contratada a Professora Raquel Varela, que teve o tópico sui generis – que foi uma ilegalidade grosseira – de ter havido um procedimento concursal sem que o mesmo tivesse alguma vez sido proposto pelo Conselho Científico da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em cujas atas não consta qualquer deliberação nesse sentido, e muito menos a proposta do respetivo júri, atas que pude, na altura, compulsar.

3. São vários os problemas que afetam a adequação deste concurso aberto pelo Edital nº 265/2023, os quais podem ser divididos entre óbices de conveniência na configuração da sua abertura, e problemas de ilegalidade administrativa de que o mesmo padece, sendo estes, claro está, bem mais graves do que aqueles.

Seja como for, o Senhor Reitor, enquanto responsável máximo da UNL, deve conhecê-los e sobre eles agir, sendo sempre interveniente no respetivo procedimento concursal, que termina com a homologação dos resultados.  

4. Veja-se, primeiro, as razões da ilegalidade, para depois se analisar as razões da sua inconveniência.

Em primeiro lugar, da leitura da ata da referida reunião do CC de 2 de novembro de 2022, diz-se que na deliberação para o concurso há uma proposta de júri apresentada pela Professora Doutora Margarida Lima do Rego, e que depois tal proposta foi aprovada pelos docentes que tinham direito de voto para o efeito. Não tendo conseguido saber quais os docentes que aí se consideram – informação de que até ao momento fui privado de consultar -, deteta-se a ilegalidade de nessa deliberação (demais a mais com uma intervenção ativa de ter proposto o júri, ao que se supõe, aceite por todos) ter participado aquela mesma professora, quando isso lhe estava vedado por lei, porque nessa altura não era professora catedrática.

Por outro lado, o júri a que se faz referência na ata da reunião de 2 de novembro de 2022 não é coincidente com aquele que é depois publicado no Edital nº 265/2023: ali é referido o Professor Timothy Endicott”, mas aqui não aparece.

Acresce ainda que, apesar de o documento concursal mencionar, no seu título, que se trata de um concurso para o grupo de “Estudos Transdisciplinares e Sociojurídicos” (Filosofia do Direito), área temática ODS-16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes”, a verdade é que é um concurso para uma disciplina apenas, a “Filosofia do Direito”, o que suscita os seguintes escolhos de legalidade:

– não é definida qualquer área temática porque, afinal, o que se refere é uma disciplina somente, sendo certo que no Ponto II, dos Requisitos especiais, nº 2, se obriga a ser fluente em inglês – e trata-se de uma faculdade pública portuguesa – e, pior, a “ter um curriculum relevante em Filosofia do Direito”: só na aparência é um concurso numa área disciplinar, é antes um concurso para uma disciplina;

– pior do que isso, é o facto de este estreitamento na disciplina escolhida ser expressamente vedado pelo ECDU, com o especioso propósito de evitar habilidades concursais para favorecer certos candidatos, que no seu art. 37º, nº 2, preceitua que “A especificação da área ou das áreas disciplinares não deve ser feita de forma restritiva, que estreite de forma inadequada o universo dos candidatos”, além de uma disciplina não poder ser, de per si, qualquer área disciplinar, devendo os concursos, segundo de novo o ECDU, ser abertos para área ou áreas disciplinares, conforme se lê no art. 37º, nº 1, no qual se dispõe que “Os concursos para recrutamento de professores catedráticos, associados e auxiliares são internacionais e abertos para uma área ou áreas disciplinares a especificar no aviso de abertura”;

– finalmente, só por piada se pode implicitamente considerar o ODS-16 uma “área disciplinar” porque se sabe muito bem que esses são objetivos “políticos” – muitos discutíveis porque escondem algumas ideologias que pululam no universo das Nações Unidas – e de científico nada têm, na certeza de que, no contexto de uma Faculdade de Direito, o ODS-16, sobre Justiça, será muito mais adequado aos estudos de Direito Público ou de Direito Privado, com as suas disciplinas jurídico-processuais, do que propriamente num outro grupo mais difuso e fluido designado por “estudos transdisciplinares”. 

5. Mas também há aspetos que determinam a inconveniência da abertura deste concurso com a configuração que oferece:

– desde logo, só se pode estranhar que a FDUNL gaste o dinheiro para contratar um professor catedrático que só tem de mostrar a sua competência numa única disciplina, a Filosofia do Direito, disciplina essa, de resto, que nem sequer é obrigatória em qualquer plano de estudos e apenas se apresenta facultativa em cursos pós-graduados;

          – também sob esta ótica, é preciso notar que este concurso se mostra manifestamente desequilibrado dentro da FDUNL, que passará a ter mais catedráticos no 3º grupo (este novo, além da Profª Cristina Queiroz) – que tem disciplinas secundárias no contexto geral das disciplinas da Faculdade – do que no 1º grupo – onde até agora só há um professor catedrático em funções, que sou eu próprio, e para cuja abertura nem sequer fui consultado; tudo isto com a agravante – vendo as coisas “endogamicamente” – de os potenciais candidatos da casa do 1º grupo de Direito Público serem bem mais antigos (Helena Pereira de Melo e Francisco Pereira Coutinho) do que os potenciais candidatos da casa do 3º grupo (Luís Duarte de Almeida, Soraia Skell e Ana Cristina Nogueira da Silva), estes assim “ultrapassando-os”, não se conhecendo os fundamentos de tão bizarra decisão; 

          – ainda sob esta perspetiva, este concurso viola uma prática da FDUNL, pelo que lhe falta fundamentação que explique esta “reviravolta”, que é a de se fazer concursos gerais em cada um daqueles grupos, como foi o que sucedeu com o meu para o 1º grupo de Direito Público, e foi o que sucedeu com o concurso no qual foi vencedora a Profª Cristina Queiroz, para o 3º Grupo, sem qualquer restrição de disciplinas, por si autorizado e homologado.

          6. Julgo que tudo o que escrevi é superabundante para aconselhar o Senhor Reitor da UNL a anular este procedimento concursal, pontificando sérios motivos de ilegalidade administrativa, que assim mancharão – caso não o faça – a instituição e o candidato que vier a ser provido nesse lugar, com desvantagem para todos.  

          Reservo-me no direito de dar a conhecer esta minha missiva às entidades que podem intervir com proveito neste assunto.

          Com os meus melhores cumprimentos.

Jorge Bacelar Gouveia

Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa

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