16.10.2000: As Associações Públicas Profissionais no Direito Português

AS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS

NO DIREITO PORTUGUÊS[1]

Jorge Bacelar Gouveia[2]

SUMÁRIO
§ 1º A INSERÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
1.     Administração Pública e Administração Autónoma
2.     Administração Autónoma, associações públicas lato sensu e associações públicas profissionais

§ 2º A CONFIGURAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS
3.     A dupla relevância jurídico-constitucional do estatuto das associações públicas profissionais
4.     O regime genericamente aplicável às associações públicas lato sensu
5.     As singularidades regimentais especificamente pertinentes às associações públicas profissionais

§ 3º ASPECTOS GERAIS DO ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS
6.     Sentido e função da lei de enquadramento
7.     O Direito subsidiário aplicável
8.     O acto de criação

§ 4º ASPECTOS ESPECIAIS DO ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS
9.     As atribuições a prosseguir
10.           A defesa dos direitos dos associados
11.           A organização democrática interna
12.            A intervenção dos tribunais administrativos
13.            O tratamento fiscal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas

§ 5º CONCLUSÕES
14. Enunciado

 

         § 1º A INSERÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA1.Administração Pública e Administração AutónomaI. No âmbito da satisfação das necessidades colectivas prototípicas da função administrativa, a Administração Pública reparte-se por variados organismos e entidades, na base dos respectivos critérios de diferenciação e de estruturação.Segundo a lição de DIOGO FREITAS DO AMARAL, a Administração Pública – em sentido subjectivo ou orgânico porque correspondente ao conjunto das entidades, serviços e órgãos que prosseguem a actividade materialmente administrativa – divide-se em três grandes ramos, na confluência dos interesses prosseguidos e em atenção à natureza das estruturas que nelas se integram[3]:-   a Administração Directa do Estado: o conjunto das entidades administrativas que se incorporam no Estado na sua veste de Estado-Administração, através de serviços e órgãos agindo concentrada e, ou desconcentradamente;- a Administração Indirecta do Estado: o conjunto das entidades administrativas que, diferenciando-se do Estado sob a óptica de serem pessoas colectivas separadas, ainda assim prosseguem os fins do Estado, em razão de um fenómeno de devolução de poderes;

– a Administração Autónoma do Estado: o conjunto das entidades administrativas que não apenas se distinguem do Estado por ostentarem uma caracterização jurídica própria, sendo pessoas colectivas distintas, mas também na medida em que levam a cabo, nos poderes em que ficam investidas, a prossecução de fins que são estabelecidos e interpretados livremente a partir dos correspondentes substratos.

 

II. Qualquer uma destas manifestações típicas de administração tem por detrás de si fenómenos específicos de organização, em aplicação, assim, dos principais modelos teoréticos que têm sido desenvolvidos mais ou menos amplamente por esse mundo fora.

A Administração Directa do Estado corresponde à inserção no seio da grande pessoa colectiva Estado de serviços e organismos de acção administrativa em aplicação do princípio da centralização administrativa. Este pode, porém, conviver com fenómenos de desconcentração ou de concentração administrativa, consoante essas actividades sejam executadas ao nível central – na capital dos serviços e da chefia do Estado e do Governo – ou ao nível da periferia – quer sejam pelo restante território português, quer em parcelas, ficcionadas ou não como território português, sitas no estrangeiro.

A Administração Indirecta do Estado implica a coexistência, ao lado do Estado, de entidades administrativas que são dele distintas, mas em que avulta sempre a prossecução de fins que são, em última análise, de relevância estadual. Dá-se aqui um fenómeno de descentralização administrativa de tipo funcional – com o desdobramento do Estado por outras entidades administrativas – e que é justificada por razões de natureza técnica e de eficiência. Essas entidades têm uma natureza institucional – os institutos públicos – ou uma natureza empresarial – as empresas públicas.

A Administração Autónoma do Estado exprime-se no desenvolvimento de tarefas administrativas por parte de entidades dele distintas e para a prossecução de fins diversos e por vezes mesmo antinómicos dos do Estado. Ocorre neste caso um fenómeno de descentralização administrativa de tipo associativo e territorial, por força da criação de entes administrativos com um substracto associativo ou humano – as associações públicas– ou com um substracto territorial – as regiões autónomas e as autarquias locais, como pessoas colectivas de população e território que são.

Como refere JOÃO CAUPERS, “Hoje, admite-se que para além deste tipo de entidades – regiões autónomas e autarquias locais – também integram a administração autónoma entidades públicas de origem associativa, fundadas em relações de proximidade distinta da geográfica, designadamente a solidariedade profissional – são as associações públicas”[4].

 

III. A caracterização jurídica destas modalidades da Administração Pública em sentido organizatório, bem como a articulação que elas mantêm com o Estado, é ainda fruto de um conjunto de laços que são constitucionalmente relevantes[5]:

–  o Estado dirige a Administração Directa, poder de direcção que, além de prototípico da hierarquia administrativa, se expressa na emanação de ordens para os serviços, incluindo também os simétricos poderes de modificação e de revogação;

–    o Estado superintende a Administração Indirecta, poder que lhe permite, se não a emissão de ordens, certamente produzir recomendações e orientações gerais, globalmente condicionando a actividade que é levada a cabo pelas instituições que integram esta categoria da Administração;

–  o Estado tutela a Administração Autónoma, o que quer dizer que pode exercer um mero poder de fiscalização, apenas com fundamento na ilegalidade, e que somente lhe permite a aplicação restrita de algumas sanções[6].

 

2.Administração Autónoma, associações públicas lato sensu e associações públicas profissionais

I. Particular atenção, no contexto da organização administrativa, deve ser conferida à Administração Autónoma[7], a qual se dissocia da Administração do Estado, Directa ou Indirecta, de acordo com os parâmetros que pudemos observar.

Este sector da organização administrativa está longe de ser, no entanto, inteiramente uniforme, uma vez que acolhe no seu seio diferentes manifestações subjectivas organizatórias.

A grande divisão a fazer passa pela separação entre as associações públicas, que têm uma base humana – por relacionarem pessoas que se encontram vinculadas por laços de natureza pessoal, de feição profissional ou quaisquer outros – e as pessoas colectivas de população e território – com um duplo substracto humano e territorial[8].

A inclusão das associações públicas na Administração Autónoma radica em vários argumentos: desde a sua base sociologicamente distinta do Estado até ao teor dos poderes de mera tutela de legalidade que este sobre elas exerce[9].

No caso das Regiões Autónomas, no quadro constitucional português, elas recebem ainda competências do âmbito das funções política e legislativa, para além das competências que naturalmente lhes cabem no foro da função administrativa.

 

II. As associações públicas[10], por seu turno, numa tripartição que se tem tornado clássica na doutrina administrativista portuguesa, ainda se distribuem por três espécies[11]:

–  as associações públicas de natureza pública – trata-se da junção de entidades que são já originariamente de natureza pública, como sucede com as associações e as federações de municípios;

–   as associações públicas de natureza privada – conglomera-se numa única pessoa colectiva entidades que são privadas na sua raiz, mas em que sobressai a necessidade da concessão de uma natureza pública a fim de prosseguirem alguns poderes de autoridade; e

–   as associações públicas de natureza mista – são associações que acolhem, ao mesmo tempo, entidades de natureza pública e de teor privado[12].

Ora, as associações públicas profissionais ou ordens profissionais[13] (nome por que são mais conhecidas e que, neste ensejo, identicamente usaremos)[14] exactamente correspondem a uma das modalidades de associações públicas: são as que se integram na segunda destas três categorias de associações públicas[15], as de natureza privada.

 

III. Quais são, então, os seus elementos diferenciadores, sobretudo se postas em confronto com as outras associações públicas?

Esses elementos são dois:

–         o elemento material, que se prende com o objecto da actividade desenvolvida, consistindo ela no exercício de poderes que recaem sobre um dado grupo profissional, que se caracteriza pela elevada liberdade que é apanágio do respectivo exercício;

–         o elemento funcional, o qual radica nos poderes que são conferidos à associação, nos quais se sublinham funções de regulamentação do exercício da profissão considerada, bem como de controlo do respeito por normas deontológicas e disciplinares.

Claro que a estes elementos diferenciadores acrescem os elementos gerais, que são por conseguinte comuns àquelas mesmas pessoas colectivas:

–  um elemento formal, que consiste na atribuição de uma personalidade jurídica colectiva de Direito Público;

–  um elemento estrutural, que é o subtracto necessariamente pessoal, conferindo-lhe assim o teor associativo;

–   um elemento teleológico, que se prende com a prossecução de fins que são privativamente criados e interpretados no seio da pessoa colectiva.

 

IV. A observação da Administração Pública Portuguesa, em matéria de associações públicas profissionais, possibilita encontrar uma quantidade considerável, com estatutos assaz diferenciados.

E é até possível estabelecer uma distinção entre as ordens profissionais clássicas – que correspondem às mais antigas profissões liberais, como as de médico e de advogado – e as outras profissões liberais recentes – que são o produto do amadurecimento de várias profissões ou do seu recém reconhecimento – como as dos farmacêuticos ou dos biólogos.

Por outro lado, dessa apreciação resulta nítida a opção que se fez em Portugal por um modelo de raiz anglo-saxónica, pelo qual a disciplina das profissões concretiza-se a partir de associações públicas, rejeitando-se deste modo a opção de a respectiva regulação ser realizada por esquemas que se inserem na Administração Indirecta do Estado[16].

A apreciação da estruturação jurídico-administrativa dessas associações públicas profissionais permite extrair os seguintes elementos mais preponderantes:

–  criação por acto legislativo governamental, o decreto-lei;

–  titularidade de poderes de natureza administrativa no acesso à profissão e na imposição de sanções disciplinares;

–   definição orgânica na base do princípio democrático;

– competência dos tribunais administrativos para a solução de litígios emergentes das relações jurídicas em que intervenham;

–  beneficiação fiscal da respectiva actividade;

– sujeição dos respectivos funcionários ao regime do contrato individual de trabalho.

 

§ 2º A CONFIGURAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS

 

3. A dupla relevância jurídico-constitucional do estatuto das associações públicas profissionais

 

         I. Como já tivemos ocasião de mencionar, as associações públicas – porque englobadas na Administração Autónoma – já adquirem só por isso, ainda que mediatamente, relevância para a Constituição Portuguesa de 1976.

No entanto, o legislador constitucional da III República, em atenção à importância e também ao melindre da matéria, entendeu por bem especificamente equacionar o estatuto tanto das associações públicas em geral como das ordens profissionais em particular.

 

II. Podemos assim afirmar que o estatuto constitucional das associações públicas profissionais, à luz da CRP, se assume duplamente relevante[17]:

–     enquanto parte das associações públicas, que corporizam a Administração Autónoma de base associativa;

–   enquanto entidades que são reguladas pela CRP, na sua veste de associação pública de índole profissional.

 

 4. O regime genericamente aplicável às associações públicas lato sensu

 

         I. As associações públicas, na perspectiva das normas constitucionais organizatórias, concitam a presença de algumas normas.

A mais importante delas é de competência, com o que se considera ser a Assembleia da República competente para legislar, matéria que lhe está relativamente reservada: “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo (…) Associações públicas…”[18]. Se assim o entender, pode delegar no Governo a respectiva legiferação, de acordo com os apertados termos por que esse exercício legislativo pode ser constitucionalmente efectuado.

Por outra banda, fazendo parte da Administração Autónoma, regista-se a sujeição à intervenção tutelar governamental, que se exerce precisamente sobre este sector da Administração Pública. É que faz parte das competências administrativas do Governo “…exercer a tutela (…) sobre a administração autónoma”[19], como já tivemos ocasião de apreciar.

Acresce ainda o facto de, no plano da arquitectura geral da Administração Pública Portuguesa, vigorar o princípio democrático, uma vez que o texto constitucional afirma que “O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública”[20]. Ou seja: as associações públicas, sendo uma parcela da Administração Pública, ficam sendo insufladas por este princípio da descentralização administrativa democrática.

 

II. Mas a verdadeira profusão de normas constitucionais verifica-se no tocante a normas materiais, através das quais se estabelecem linhas directoras extremamente importantes para a construção do regime legal das associações públicas, elas sistematicamente se inserindo no Título IX da Parte III da Constituição, atinente à “Administração Pública”.

Uma primeira orientação refere-se à circunstância de a Constituição considerar a existência das associações públicas como manifestação de uma das modalidades de concretização e de efectivação do princípio da participação dos interessados na gestão da Administração Pública, ao mesmo tempo qualificando-a como uma estrutura de representação democrática[21].

Isto significa que as associações públicas se situam na encruzilhada de dois importantíssimos princípios que animam a organização da Administração Pública Portuguesa: os princípios da participação e da democracia.

 

III. Todavia, há também paralelamente preceitos constitucionais que especificamente conferem um estatuto às associações públicas, diferenciando-as de outras categorias da Administração Pública.

Essas regras são as seguintes[22]:

  1. Limitação da criação das associações públicas “à satisfação de necessidades específicas” – as associações públicas, relativamente às razões que justificam a sua criação, ficam indexadas à verificação da necessidade de uma intervenção pública de regulamentação e de disciplina, não havendo propriamente liberdade legislativa para uma criação incontida dessas pessoas colectivas;
  2. Impossibilidade do exercício de “funções próprias das associações sindicais” – as associações públicas, no seu recorte conceptual por relação com as actividades que devem executar, não podem dobrar as funções constitucionalmente atribuídas aos sindicatos, nomeadamente quanto à defesa dos direitos dos trabalhadores subordinados;
  3. “Organização interna baseada no respeito dos direitos dos seus membros” – as associações públicas, por via do seu substracto pessoal, devem levar em consideração, no exercício dos respectivos poderes de natureza pública, os direitos dos respectivos associados e profissionais, isso limitando o tipo de intromissão que constitucionalmente se lhes autoriza, o que também funciona como uma delimitação interna das restrições que elas mesmas consubstanciam;
  4. “Formação democrática dos seus órgãos” – as associações públicas, no que concerne à sua organização e funcionamento, não podem ser uma ilha relativamente ao princípio democrático, que – impregnando a Administração Pública e o Estado em geral – igualmente deve estar presente no respectivo figurino organizató

 

 5. As singularidades regimentais especificamente pertinentes às associações públicas profissionais

I. Já o complexo de normas constitucionais atinentes às associações públicas profissionais, enquanto differentia specifica das associações públicas, é muitíssimo diminuto, nem sequer sendo assumido com esse nomen iuris.

A referência que existe – e que achamos muito relevante – situa-se na descrição tipológica que a Constituição realiza da liberdade de escolha da profissão.

 

II. Como seria de esperar num texto substancialmente democrático e que cumpre as exigências do Estado de Direito Material, a Constituição Portuguesa reconhece a liberdade de escolha e de exercício da profissão: “Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade”[23].

Simplesmente, ao mesmo tempo que positiva esse direito, o texto constitucional implicitamente abre as portas à existência e à operacionalidade das associações públicas profissionais, dado que concebe a imposição de restrições no âmbito do acesso e do exercício das profissões. É disso que cura o segmento que se refere às “…restrições legais impostas pelo interesse colectivo…”.

 

III. E quais são as estruturas que podem corporizar essas limitações de interesse público, no âmbito estritamente profissional?

Certamente que são as associações públicas profissionais, cujo âmbito material de actuação assim se encontra plenamente justificado.

         § 3º ASPECTOS GERAIS DO ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS

6. Sentido e função de uma lei de enquadramento

 

         I. A primeira questão que importa dilucidar, na construção de um regime geral regulador das associações públicas profissionais, prende-se com o sentido e a função que se deve atribuir a uma lei que tenha por missão efectuar a respectiva disciplina geral.

Trata-se de elaborar, como facilmente se entrevê, um diploma legislativo que estabeleça um regime comum quanto a um conjunto de aspectos que ficam sendo pertença de um acto legislativo unificador, prévio e superior a cada um dos actos que, em concreto, venha a criar cada associação pública profissional e, por outro lado, lhe fixe, no seu próprio âmbito, particularidades de regime.

Essa questão é, ao mesmo tempo, de natureza formal e de natureza material:

–  no primeiro caso, devemos perguntar ao texto constitucional se é viável atribuirmos a um diploma com esta configuração uma tal função subordinante de outros diplomas – naturalmente que contenham uma mesma eficácia hierárquica legislativa – que com eles possam entrar em colisão;

–  no outro caso, devemos indagar da possibilidade teorética de fixar essa pretendida disciplina unitária, atenta a realidade concreta das associações públicas profissionais na sua diversidade e nas suas inevitáveis singularidades.

 

II. O princípio fundamental no Direito Constitucional Português – como, em geral, em qualquer moderno Direito Constitucional – é o de que, dentro do mesmo nível hierárquico, os actos legislativos têm uma mesma eficácia revogatória ou derrogatória.

Portanto, daqui resulta que não é possível, no plano da orientação geral traçada pela Constituição, que um acto legislativo possa ser hierarquicamente superior ao outro, todos eles tendo uma idêntica força de lei.

Outra precipitação deste mesmo princípio respeita ao facto de, situando-se os actos legislativos na mesma hierarquia, igualmente não poderem uns ter a pretensão de prevalecer sobre os outros.

A resolução de conflitos inter-legislativos que eventualmente surjam jamais pode assim socorrer-se do critério hierárquico, que neste caso não tem a virtualidade de poder funcionar. Esse é um esforço que deve ser feito com recurso a outros critérios, como os da cronologia ou da especialidade das matérias legisladas.

 

III. Contudo, olhando para o mesmo texto constitucional, chegamos à conclusão de que é possível, em certos casos e em certas circunstâncias, reconhecer a alguns actos legislativos uma eficácia jurídica subordinante relativamente a outros actos jurídicos, apesar de se situarem hierarquicamente no mesmo nível.

Um primeiro grupo desses diplomas corresponde aos decretos-leis do Governo que se destinem a executar autorizações legislativas ou que desenvolvam bases legislativas gerais: “As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvam as bases gerais dos regimes jurídicos”[24].

Outro grupo de actos é concernente a um conjunto plúrimo de actos legislativos que ostentam traços de peculiaridade no contexto do procedimento ou da função genericamente caracterizadora dos actos legislativos: “Têm valor reforçado, além das leis orgânicas, as leis que carecem de aprovação por maioria de dois terços, bem como aquelas que, por força da Constituição, sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas”[25].

Uns e outros podem candidatar-se ao conceito de “lei de valor reforçado”, na medida em que possuam uma força subordinante de outros actos legislativos, a despeito de um idêntico posicionamento hierárquico, ainda que a doutrina constitucional portuguesa esteja longe de ser concorde na delimitação deste conceito[26].

De acordo com a nossa interpretação, que deve ser produto mais de uma elaboração doutrinária e menos de um ditame legislativo, havendo no limite a hipótese de o legislador se ter enganado na qualificação dos fenómenos, a lei de valor reforçado é distinta do conceito constitucionalmente formulado, em dois sentidos divergentes:

–   um sentido restritivo, no aspecto de não ser de incluir na lei reforçada os actos legislativos que sejam leis orgânicas ou que sejam aprovados por maioria de dois terços só por causa dessa qualidade, havendo casos em que daí não deriva qualquer força subordinante de outros actos legislativos;

–  um sentido ampliativo, no ponto em que a definição constitucional não admita, como parece acontecer com o respectivo sentido literal, actos legislativos não parlamentares, sendo certo que o fortalecimento que se quer pode igualmente surgir em actos legislativos governativos, como o testemunha a prática política, recordando-se o caso da força subordinante do decreto-lei que traça a organização e o funcionamento do Governo relativamente a outros decretos-leis[27].

 

IV. Na base do conhecimento das situações em que a Constituição admite a prevalência de certos actos legislativos sobre outros actos legislativos, em conformidade com a noção de lei de valor reforçado, é altura de fazer a respectiva aplicação ao caso da lei de enquadramento das associações públicas profissionais por conexão com cada acto legislativo concreto de criação das mesmas, ou do acto que procede à alteração dos estatutos das associações já anteriormente criadas.

Não há propriamente uma resposta directa no texto constitucional, ao contrário do que sucede em muitos outros casos, em que se toma uma posição específica sobre essa matéria. Podem assim alguns concluir, perante essa omissão, pela impossibilidade de sujeitar o acto legislativo genericamente disciplinador das associações públicas profissionais a um dos casos que a Constituição considera de vinculação especial entre actos legislativos. A circunstância de a competência para legislar em matéria de associações públicas ser da Assembleia da República não seria, por si só, um sinal seguro de que tal tipo de vinculação se admitiria.

 

V. Essa não é ainda, em todo o caso, uma resposta cabal, na medida em que é razoável perscrutar essas relações de vinculação especial a partir de outros factores e de outros índices, provavelmente menos evidentes, em que aqueles casos de vinculação especial podem ter igualmente sentido.

De novo remontamos ao singelo facto de a legislação em matéria de associações públicas ser da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

Numa primeira dimensão, trata-se apenas de por aqui se vislumbrar uma particular repartição da competência legislativa entre a Assembleia da República e o Governo, tendo-se optado, neste caso, por concedê-la à Assembleia da República, ainda que com a opção de ser o Governo a legislar, se para tanto tiver havido a necessária autorização legislativa.

Essa não é, porém, a única dimensão possível deste peculiar recorte da competência legislativa. É que estamos em crer que, por detrás da função meramente organizatória dessa reserva, está também uma função parametrizante que implicitamente o texto constitucional pretendeu atribuir, tornando-a uma lei reforçada. A não ser assim, a importância desta reserva relativa de competência legislativa ficaria seriamente obliterada: ela de pouco valeria se não pudesse preencher uma função geral regulatória e se dela apenas se extraísse uma intenção de se aplicar a cada acto. Inerente a essa função regulatória, sob pena de ela mesma para pouco ou nada servir, está a força subordinante dos posteriores actos de criação das associações públicas.

Em resumo: podemos retirar da atribuição de reserva relativa de competência legislativa à Assembleia da República para legiferar em matéria de associações públicas não apenas essa especial delimitação competencial, no confronto com os outros órgãos igualmente legiferantes, mas também uma importante função parametrizante quanto aos actos posteriores de criação das associações públicas.

É que está aqui em causa a terceira possibilidade para o preenchimento do conceito constitucional de lei reforçada, na parte em que o mesmo se deve julgar adequado: é um caso em que se percebe que para a Constituição deve existir uma lei geral – de enquadramento das associações públicas – cujo acatamento por actos legislativos posteriores e concretos de criação das mesmas se lhes impõe, função parametrizante que é inerente à atribuição da competência para legislar genericamente sobre esta matéria.

A essa conclusão também chegam J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, apesar de o afirmarem apenas implicitamente, quando atribuem a esta competência parlamentar a estruturação do regime das associações públicas, pois que “…cabe à AR definir o seu regime (forma e condições de criação, atribuições típicas, regras gerais de organização interna, controlo da legalidade dos actos…”[28].

 

VI. Por isso mesmo, julgamos que este exercício de competência legislativa não se pode compaginar com a criação de uma lei de bases, embora seja isso o que é explicitamente referido na anteproposta que está sendo submetida à nossa apreciação.

Não se está em face de um regime de bases porque, na verdade, se pretende a disciplina geral de tudo aquilo que respeita às associações públicas profissionais, nem sequer se pensando na remissão para a competência legislativa do Governo no desenvolvimento dessas bases, como seria sempre indispensável. É que a delimitação constitucional da competência em matéria de associações públicas abarca a totalidade de um regime, não o regime geral apenas, e muito menos somente as bases gerais[29].

Lei de bases e lei-quadro são duas realidades conceptualmente diversas e que até podem ter regimes diferentes: a lei de bases é, por definição, uma lei “incompleta”, que se destina a ser preenchida, em níveis mais pormenorizados de legiferação, por outros actos legislativos que igualmente exercem uma função legislativa; já as leis-quadro são leis completas, possuindo toda a necessária regulação, tendo a finalidade de condicionar o exercício do poder legislativo por parte de outros actos, estes não acrescentando mais alguma disciplina, mas pondo em acção a criação de certas entidades exactamente ao abrigo da normação que aquela contém.

Assim sendo, parece ser mais aconselhável – até por causa da eficácia paramétrica que esta lei terá como lei de valor reforçado – que o seu nome passe a ser “lei-quadro das associações públicas profissionais”[30].

 

VII. A apreciação da elaboração de uma lei geral sobre as associações públicas profissionais pode ainda suscitar dúvidas no plano material: não já no sentido de se reconhecer eficácia parametrizante a essa lei, mas no sentido de saber da possibilidade de se efectuar, por via dessa lei geral, uma disciplina generalizante, atendendo à enorme variedade que, por natureza, acompanha as ordens profissionais ou as associações públicas em geral.

É MARCELO REBELO DE SOUSA quem muito bem põe o dedo na ferida, manifestando fundas reticências quanto a essa possibilidade, ainda que falando restritamente no ponto dos órgãos das associações públicas: “…é tão grande a sua variedade e diversificada a composição do seu substrato pessoal, que, dificilmente, se compreenderia a adopção de um espartilho legal rígido, nomeadamente em termos organizativos”[31].

E acrescenta mesmo: “Ele chocar-se-ia, aliás, com a própria caracterização associativa destas entidades, se ultrapassasse mais do que a mera enunciação das três modalidades de órgãos, em princípio, exigíveis – de execução ou gestão, de deliberação e de fiscalização -, sendo que se podem identificar deliberação e fiscalização nas associações públicas integradas por entidades públicas, designadamente autarquias locais”[32].

Não cremos, porém, que essa íntima diferenciação possa ser obstáculo para a erecção de um regime geral: ele não só já existe do ponto de vista constitucional, como decorre do facto de haver uma competência legislativa parlamentar a própria ideia da sua possibilidade e da sua conveniência. Aliás, como é MARCELO REBELO DE SOUSA logo a reconhecer, “Em qualquer caso, a legislação sobre associações públicas integra-se, como antes dissemos, na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República”[33], com isso inculcando tal ténue possibilidade.

 

 7.O Direito subsidiário aplicável

 

I. Integrada nos aspectos de ordem geral do regime legal das associações públicas profissionais está também a determinação do conjunto de preceitos normativos que devem ser considerados subsidiariamente aplicáveis.

É que as leis e os regimes não aparecem isolados no ordenamento jurídico e, sobretudo, eles não dizem sempre tudo: se assim é, pode tornar-se necessário recorrer a outras normas, que noutras paragens regulam as situações que carecem de uma resposta, ela mesmo ausente no regime específico que se tenha em consideração[34].

Este é, pois, o problema do Direito subsidiário das associações públicas profissionais, que se deve pôr com toda a pertinência quando se pensa na elaboração de uma lei de enquadramento do respectivo regime.

 

II. O Direito subsidiário é naturalmente diferente da verificação das lacunas legais e das lacunas de Direito. É que não está em causa, na busca que se faz em todo o ordenamento jurídico, começando pela norma mais próxima e acabando nos sectores mais remotos, a existência de uma omissão de regulação, a qual é indesejada pela ordem jurídica.

Pelo contrário: a omissão dessa solução normativa apenas acontece no sector específico do regime que se quer construir, o mesmo já não sucedendo avançando para zonas normativas limítrofes, em que o intérprete e o aplicador podem deparar com normas jurídicas que satisfatoriamente dão uma directriz para um caso.

Noutra perspectiva, enfrentamos neste caso uma relação entre uma parte especial e uma parte geral do ordenamento jurídico, e não uma relação entre sectores da ordem jurídica excessivamente distantes. Como explicita J. DIAS MARQUES, “Trata-se de um processo técnico-legislativo frequentemente usado, o qual consiste em regular uma dada matéria apenas nos aspectos que lhe são específicos e remeter, em tudo o mais, para o regime mais completo de uma outra matéria, que é suposto haver adquirido, através do tempo, uma elaboração legislativa e doutrinal mais apurada”[35].

 

III. Porém, não é possível responder sem que se possa aquilatar da verdadeira natureza jurídica das associações públicas profissionais, embora nessa matéria seja missão da lei de enquadramento estabelecer uma dada orientação.

A observação das associações públicas em geral, na sua qualidade de pessoas colectivas públicas de substracto associativo, convoca a potencial presença de dois ramos do Direito:

–         do Direito Privado, na medida em que o fenómeno associativo encontra no Direito Civil o seu “habitat” natural, este sendo o repositório subsidiário de normas, desde que não haja qualquer incompatibilidade com a sua raiz privatística[36];

–         do Direito Administrativo, na medida em que a criação legal e os poderes de autoridade com que as associações profissionais ficam aparelhadas remetem para outros regimes mais desenvolvidos das pessoas colectivas públicas criadas pelo Estado, como é o caso dos institutos públicos[37].

A resposta, como sugere DIOGO FREITAS DO AMARAL, matizando a sua posição em face de uma opinião anteriormente expendida, deve ser mais caleidoscópica, porquanto importa atender ao peculiar aspecto que está carecido de regulação. Como escreve aquele autor, “…as associações públicas são pessoas colectivas públicas criadas pelo Estado por devolução de poderes – e nessa medida o seu regime jurídico aproxima-se do dos institutos públicos, que igualmente o são; mas as associações públicas têm, ao contrário dos institutos públicos, estrutura associativa e pertencem à administração autónoma – e nesta medida o seu regime tem de reconduzir-se ao das associações de direito privado, ressalvado o que seja incompatível com o carácter público de tais entidades”[38].

Só uma avaliação dos casos e das situações nos pode dar uma resposta sólida, pelo que a cláusula de Direito Subsidiário deve remeter para ambos os sectores em função da natureza das questões que sejam colocadas, e não cair no erro de remeter globalmente e apenas para o Direito Administrativo.

Mas atendendo ao facto de que as associações públicas profissionais são associações públicas de entidades privadas, é de aceitar que o pendor privatístico do Direito subsidiário seja bastante mais acentuado.

 

 8.O acto de criação

 

I. Do ponto de vista dos aspectos gerais do enquadramento legal das associações públicas profissionais, é de discretear ainda um pouco acerca dos termos da respectiva criação.

Eis uma questão que no Direito Administrativo é susceptível de obter diversas respostas, em grande parte por força da configuração das entidades administrativas que devem ser criadas.

E no caso das associações públicas profissionais, interessa também saber qual o tipo de constrangimento que, a este propósito, decorre do articulado da Constituição, em relação ao qual devemos agir conformemente.

 

II. A experiência recente na criação das associações públicas profissionais, como facilmente se verifica, revela que os respectivos actos de criação são legislativos, com natureza governamental, mostrando-se assim actos de feição unilateral enquanto manifestação do poder público.

Essa criação legislativa a partir do Governo é, posteriormente, “confortada” pela participação dos associados, que gradualmente se instalam nos seus diversos órgãos, desligando-se o Governo, a partir de certo momento, da respectiva gestão.

Esse acto de criação legislativa não se resume, em todo o caso, ao surgimento da pessoa colectiva, pois que o mesmo, simultaneamente, faz aprovar os respectivos estatutos, que são publicados por junto com o acto de criação.

 

III. A prática que tem sido seguida até aqui não deixa de suscitar algumas dúvidas por se tratar de uma criação que é, a um tempo, unilateral e com uma proveniência de todo em todo alheia ao substracto pessoal que materializa a associação:

–         é um acto unilateral porque não refrange, na sua constituição, uma qualquer vontade colectiva, mas uma vontade única do Estado, formada a partir do Governo na sua veste de órgão legislativo;

–         é um acto que se mostra alheio ao substracto pessoal da associação porque os futuros associados nunca tiveram ocasião de exprimir a sua vontade de erguer uma associação, nem sequer tiveram qualquer mecanismo de canalização da respectiva vontade para o próprio Governo na criação da associação.

E o que é verdade para o acto de constituição também é verdade para os actos posteriores de revisão estatutária: de novo é a autoridade legislativa governamental que sobressai para efectuar essas modificações.

Indiscutivelmente que essa exclusividade da autoridade legislativa governamental pode ser atenuada por ela agir sempre com base na obtenção de uma vontade alargada no sentido da criação de certa ordem profissional.

Acreditamos que isso tem sucedido; mas isso não invalida o raciocínio de que formalmente essa vontade dos associados não é tomada em consideração e que fica somente na realidade político-factual, não na realidade jurídico-normativa.

São, por isso, duas as questões que devem encontrar resposta dentro do problema geral atinente ao acto de criação das associações públicas profissionais:

–         a estrutura unilateral ou contratual do acto que as institui;

–         a natureza legislativa ou administrativa desse mesmo acto de criação.

 

IV. A resposta à primeira destas duas interrogações, formuladas a respeito dos contornos do acto constitutivo das associações públicas profissionais, está intimamente associada à problemática da liberdade de associação.

Esta é, com efeito, uma das mais antigas liberdades públicas e que o liberalismo trouxe logo para as primeiras Constituições, em torno da qual se garante um espaço de autonomia das pessoas frente ao Estado, em muitos domínios e também naturalmente no próprio domínio profissional.

São consequentemente frequentes as associações e os fenómenos associativos e agregadores com vista à defesa de interesses comuns ligados a uma mesma profissão. De alguma sorte, os sindicatos são uma aperfeiçoada expressão da liberdade de associação, em protecção da posição dos trabalhadores na relação com as entidades patronais.

Seria até possível pensar na própria inconstitucionalidade da criação pública de associações que, em última instância, forçassem os profissionais abrangidos ao cumprimento de um conjunto de deveres, não sendo para tanto ouvidos ou não tendo dado o seu consentimento.

Não cremos que essa dúvida, em si inteiramente legítima e plausível, possa ter esta tão drástica consequência. É que as associações de natureza profissional não têm de desenvolver apenas atribuições que sejam só dos respectivos associados, os quais se vinculam às mesmas livremente, assim como também o fazem no momento da desvinculação.

Em certos casos, podem emergir razões de interesse público que justifiquem a intervenção pública, que se mostra clara quando ocorrem três realidades:

–  obrigatoriedade da inscrição numa associação de profissionais para o exercício lícito de uma actividade;

–   exercício de poderes de autoridade na regulação do acesso e do exercício da profissão;

– imposição de poderes disciplinares perante a infracção das normas deontológicas que devem orientar a actividade dos profissionais.

É fácil de ver que, atendendo à natureza dos poderes que as associações públicas profissionais vão exercer, nem sempre se afigura viável defender o seu carácter geneticamente contratual. Porquê? Porque se os associados percebem que a associação vai desenvolver esses poderes, a resposta mais óbvia, para se furtarem ao respectivo exercício, é, pura e simplesmente, nunca constituir a associação.

Se se exigisse que as associações públicas profissionais nascessem sempre de um acto de vontade contratual, o resultado poderia muito bem ser o de uma impossibilidade prática de o poder público intervir, uma vez que elas nunca se constituiriam.

É certo que a solução poderia ser a de o Estado intervir conferindo poderes de autoridade a uma associação previamente constituída ao abrigo do Direito Privado, numa base puramente contratual. Não é de rejeitar essa hipótese; mas a verdade é que isso nem sempre sucede, estando dependente desse primeiro passo privado e contratual, e sempre se mostra algo espinhosa a intervenção estadual num ente de raiz privatística.

A intervenção pública pela criação unilateral – forçada se necessário – das associações públicas profissionais não constitui, pois, qualquer infracção à liberdade de associação: não se trata do exercício de poderes privados, mas de poderes públicos, que têm sempre um âmbito limitado.

E note-se ainda que se cura de um acto do poder público que é como tal equacionado pela própria Constituição: quando esta refere que as associações públicas se submetem à reserva relativa de competência legislativa parlamentar e que devem obedecer a certas características de organização e funcionamento, a própria Constituição está com isso a supor tratar-se de uma realidade diversa da das associações privadas, nascidas do puro exercício contratualizado da liberdade de associação.

 

V. A outra pergunta que enunciámos, aceite já o carácter unilateral do acto de criação das associações públicas profissionais, acto esse que provém do poder público, faz-nos oscilar entre a respectiva natureza legislativa ou administrativa.

Do ponto de vista do Direito Administrativo, são muitos os exemplos que permitem a constituição de entidades administrativas através de actos pertencentes à função administrativa, sob a óptica daqueles que tenham uma feição unilateral. É o que acontece, em muitos casos, com os regulamentos administrativos.

Não consideramos, no entanto, que esse possa ser o caso das associações públicas profissionais, uma vez que não basta considerar o aspecto de exercerem poderes de natureza administrativa. Outra não menos importante perspectiva que é mister levar em consideração é a de que as associações públicas profissionais, na sua qualidade de especiais tipos de associações, com um cunho profissional evidente, se situam na regulação do exercício de uma determinada profissão.

Ora, o exercício de uma profissão assume-se constitucionalmente relevante para o plano dos direitos fundamentais, havendo mesmo no caso da Constituição Portuguesa um tipo de direito fundamental que especificamente o concebe.

Do ponto de vista organizatório, a criação de uma associação pública profissional, em boa parte por causa dos poderes de natureza pública que lhe são atribuídos pelos respectivos estatutos, representa sempre uma intervenção no domínio dos direitos, liberdades e garantias, matéria que está submetida a uma reserva de lei, sendo vedada a intervenção administrativa[39].

Do ponto de vista material, afigura-se visível que a intervenção do poder público na criação de uma associação pública profissional necessariamente restringe o exercício dos direitos profissionais, o que também força que seja um acto de natureza legislativa[40].

 

VI. As duas respostas que obtivemos para as duas questões formuladas não são ainda suficientes porque o poder legislativo em Portugal, ao nível nacional, se distribui por dois órgãos: a Assembleia da República e o Governo.

É desde já de afastar a possibilidade da participação de uma terceira instância com poderes igualmente legiferantes, que são as assembleias legislativas regionais, integradas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.

Por dois motivos fundamentais:

–   por ser praticamente impossível configurar uma profissão meramente regional ou que no território regional careça de uma especial configuração regulativa, o que é essencial para substanciar um interesse específico regional;

–   por ser uma intervenção necessariamente ablativa de direitos fundamentais, matéria que está constitucionalmente reservada aos órgãos de soberania.

Na opção entre a Assembleia da República e o Governo, atendendo ao modo como o poder legislativo se encontra distribuído por esses dois órgãos, o acto de constituição de uma associação pública profissional, segundo o nosso entendimento, pode ser feito quer por lei da Assembleia da República quer por decreto-lei do Governo.

Registe-se, porém, que a criação por decreto-lei do Governo tem de se sujeitar a uma autorização legislativa, na medida em que a dois títulos esta exerce essa competência, em ambos os casos insertas na esfera das matérias da sua reserva relativa de competência legislativa[41]:

–  no facto de a criação das associações públicas profissionais significar a limitação ou restrição de direitos, liberdades e garantias – a restrição do acesso e a regulação do exercício de uma dada profissão, tolhendo o direito fundamental à liberdade de profissão;

–   no facto de as associações públicas, das quais as associações profissionais são uma modalidade, se sujeitarem à legislação parlamentar – a criação de uma ordem profissional, sendo uma associação pública, está sempre formalmente abrangida na vertente da sua criação em concreto, ainda que aquela competência também vise o estabelecimento de um regime geral para todas ou algumas categorias de associações públicas.

VITAL MOREIRA, com desenvolvimento, defende que, perante uma lei-quadro das associações públicas, estas não têm de ser criadas por acto legislativo da Assembleia da República: “A CRP reserva à AR a definição do regime jurídico das associações públicas. Mas não lhe reserva explicitamente a competência para a sua criação. Isto quer dizer que uma lei-quadro das associações públicas poderia admitir a criação delas por diploma ou acto governamental”[42].

Discordamos desta posição: é que a competência legislativa parlamentar tem a ambivalência de por ela se produzir uma lei-quadro e de por ela se dever constituir, igualmente, cada associação pública profissional.

Por outro lado, soaria sempre estranho que só por causa de uma lei-quadro aquilo que antes era da competência legislativa reservada parlamentar pudesse transitar para a competência legislativa concorrencial da Assembleia da República e do Governo.

 

§ 4º ASPECTOS ESPECIAIS DO ENQUADRAMENTO LEGAL DAS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS

 

9.As atribuições a prosseguir

 

I. Entrando agora no domínio das questões específicas do enquadramento legal das associações públicas profissionais, importa analisar, em primeiro lugar, o recorte das atribuições ou das finalidades que devem ser postas a cargo das associações públicas profissionais[43].

Note-se que esta é inclusivamente uma das poucas matérias que são constitucionalmente relevantes, a dois níveis:

–  um nível positivo, indexando-se a criação das associações públicas à satisfação das necessidades específicas; e

–  um nível negativo, através do qual elas não podem prosseguir fins de natureza sindical.

Vejamos separadamente estes dois aspectos, após o que referiremos os conteúdos finalísticos necessários das associações públicas profissionais.

 

II. O primeiro aspecto referido, como sublinha MARCELO REBELO DE SOUSA, é mais exigente do que o mero princípio da especialidade das pessoas colectivas, acrescentando JORGE MIRANDA que o mesmo se conexiona com o princípio da proporcionalidade[44].

Não está apenas em causa desenvolver os poderes adequados às respectivas finalidades, os quais aparecem assim substancialmente limitados, mas requer-se que a própria criação se submeta a um juízo de necessidade em função de certas realidades.

Isto naturalmente que também reduz a probabilidade da criação de associações públicas profissionais, ou pelo menos torna o acto da respectiva criação muito mais exigente do ponto de vista da argumentação que deve ser aduzida para a sua instituição.

E repare-se o contraste relativamente à criação de qualquer pessoa colectiva pública, a qual depende da vontade da entidade que a cria, na base de um juízo de discricionariedade muito mais amplo: enquanto que aqui a criação é um acto discricionário, produto da interpretação do interesse público, a criação das associações públicas, incluindo as profissionais, só pode acontecer para a satisfação das necessidade específicas, num claro intuito de acentuadamente se circunscrever o juízo de discricionariedade quanto ao conteúdo e quanto à possibilidade da respectiva criação[45].

 

III. A dimensão negativa retira do campo de acção das associações públicas profissionais as tarefas que são próprias das associações sindicais, especialização constitucionalmente prevista dentro da liberdade de associação.

Essa é uma apreciação de alguma forma facilitada porque a Constituição se apressa na definição material dos próprios sindicatos, que não são, pois, um conceito inteiramente remissivo para a lei ordinária.

Como esclarece JORGE MIRANDA[46], exemplos de atribuições constitucionalmente reservadas aos sindicatos – e portanto assim excluídas da intervenção das associações públicas profissionais – são[47]:

–         a contratação colectiva;

–         a participação na elaboração da legislação laboral;

–         o exercício do direito à greve[48].

No âmbito das escolhas que sejam feitas para a composição dos estatutos das associações públicas profissionais, elas não poderão agir na veste dos sindicatos, sendo inconstitucional a concessão de qualquer uma das tarefas que sejam reconhecidas aos sindicatos, como foram exemplificativamente enumeradas.

 

IV. Mas a principal dificuldade acaba sempre por ser a definição das profissões cuja regulação carece de uma intervenção pública ao nível da criação de uma associação profissional.

Não há – nem provavelmente poderia haver – qualquer resposta constitucional ou legal para este assunto, atendendo ao facto de a necessidade de regulação ser essencialmente mutável com as circunstâncias sociais que rodeiam o exercício das profissões, o seu aparecimento, a sua transformação e o seu desaparecimento.

Tudo reside em saber se o desenvolvimento de certas profissões, pelas suas características intrínsecas, exige ou não a intervenção pública, no sentido de alcançar para elas uma máxima responsabilidade.

Como bem escreve JORGE MIRANDA, “…há uma exigência de confiança social a que o Estado responde manifestando confiança na auto-organização dos respectivos profissionais e, simultaneamente, decretando a necessidade de cada um a integrar para poder exercer a profissão”[49].

Não obstante essa verificação, alguns parâmetros gerais podem ser legislativamente fornecidos para condicionar o acto de criação de cada associação pública profissional, os quais podem respeitar aos seguintes pontos, havendo naturalmente outros:

–    o elevado grau de autonomia científica e técnica;

–  o número de profissionais que justifique uma intervenção através de associação;

–   o suficiente nível de relação com terceiros de forma a tornar-se uma questão que requeira a intervenção pública.

 

V. Do ponto de vista material, dois vão ser os principais conteúdos da actividade das associações públicas profissionais:

–         um conteúdo regulador; e

–         um conteúdo disciplinar.

conteúdo regulador implica que a associação pública profissional em causa estabeleça, através dos seus estatutos, um conjunto de direitos e deveres daqueles que integram a profissão que se visa regular.

Esse exercício deve ainda estender-se ao próprio acesso à profissão, no sentido da imposição de limitações ou restrições em nome do interesse público, sobretudo quando devem estar relacionadas com a garantia de um mínimo de proficiência no exercício da profissão.

Daí que seja exigível indexar a legitimidade do exercício da profissão à inscrição, que é obrigatória, na respectiva associação profissional, bem como depois ao pagamento de quotizações.

conteúdo disciplinar respeita à aplicação por parte da instituição de sanções disciplinares por violação das regras da deontologia profissional, que é um sector da Ética concernente ao exercício das profissões.

 

VI. Sendo embora os mais importantes, estes não são os únicos conteúdos possíveis das associações públicas profissionais, outros tão relevantes podendo existir, como muito bem refere VITAL MOREIRA[50]:

–   representação e promoção da classe profissional – que se identifica com um conjunto de actividades de promoção do prestígio da profissão e de defesa dos seus interesses junto das diversas instâncias do poder;

–    apoio aos seus membros – que se espelha nas acções desenvolvidas junto dos associados para lhes proporcionar o aumento da proficiência profissional e para os colocar a par de todas as inovações relativas à própria profissão;

–   outras incumbências administrativas – tais como o registo dos endereços dos colegas de profissão, o fornecimento de seguros ou a garantia de um sistema de segurança social.

 

 10. A defesa dos direitos dos associados

 

I. O facto de as associações públicas profissionais exercerem os seus poderes de natureza pública nestes vários grandes núcleos temáticos, tal como o próprio texto constitucional o inculca para alguns deles, não dispensa e antes implica que os associados possam exercer os seus direitos.

Essa é uma afirmação constitucional que deve valer com dois sentidos distintos, mas que se mostram igualmente operativos, como frisa JORGE MIRANDA[51]:

–    no sentido de os associados terem direitos de defesa perante o exercício do poder administrativo das associações públicas profissionais;

–   no sentido de os associados não perderem quaisquer outros direitos, como pessoas e cidadãos que continuam a ser, só por se integrarem naqueles associações.

 

II. No que toca ao primeiro aspecto, cumpre dizer que os associados conservam vários direitos que são inerentes ao exercício da sua profissão e que, de certo jeito, são a contrapartida para os deveres em que ficam investidos.

Estes são os direitos que podem contrapor às associações profissionais, forçando estas a assegurar um escorreito exercício da profissão. Assim como são também os direitos de participação nos próprios destinos da instituição que integram.

Há também direitos que podem ser exercidos contra a manifestação de poder da própria associação profissional, como é o que sucede quando se verificam situações de negação de inscrição ou de aplicação de sanção disciplinar.

 

III. Relativamente ao outro aspecto, que acaba por ser bastante óbvio, a inserção dos profissionais numa certa associação pública não os torna pessoas sujeitas a quaisquer relações especiais de poder[52].

Não ficam, assim, investidos numa qualquer posição de sujeição, jamais perdendo os seus direitos fundamentais, de cidadãos e de profissionais de certo ramo.

Pelo que conservam os direitos fundamentais inerentes a qualquer cidadão vivendo numa sociedade democrática, a não ser aqueles que possam implicar a imposição de um interesse público, no âmbito da restrição da liberdade de profissão.

Só que nesta hipótese valem as especiais garantias que rodeiam a restrição destes direitos, nos mais variados aspectos que constroem o severo regime das restrições de direitos, liberdades e garantias.

 

11.A organização democrática interna

I. A organização interna das associações públicas apresenta-se ainda como sendo outro tema com evidentes provas de enorme relevância no plano das opções que devam ser tomadas quanto ao conteúdo de uma lei de enquadramento dessas associações profissionais.

Esse é um domínio em que, aliás, se sente com particular vigor a presença de regras constitucionais, impondo a formação democrática dos órgãos das associações públicas profissionais.

E não custa perceber que nestas aflora uma dimensão política muito acentuada, até porque as associações públicas – e as profissionais não constituem qualquer excepção – são parte integrante da Administração Pública.

 

II. A organização democrática das associações públicas profissionais nem sequer é algo de singular no contexto das várias pessoas colectivas que são constitucionalmente previstas. A mesma preocupação quanto à estrutura democrática de certas pessoas colectivas está igualmente presente noutros dois importantes casos:

–  os partidos políticos, que devem ser estruturados com base no princípio democrático – “Os partidos políticos devem reger-se pelos princípios da transparência, da organização e da gestão democráticas e da participação de todos os seus membros”[53];

–  os sindicatos, que devem ser democraticamente erigidos e geridos – “As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical”[54].

Em qualquer destes casos, o que se verifica é a emergência de preocupações que se associam à expressão do princípio democrático, através do qual se pretende traduzir na classe dos dirigentes das associações públicas profissionais uma legitimidade que brote do substracto humano e associativo em que as mesmas assentam.

 

III. Evidentemente que o princípio democrático – por razões históricas, mas também por razões regulativas – assume uma maior consistência ordenadora no seio do Estado.

Na verdade, é dentro desta organização política que nós encontramos as mais fundas preocupações de afirmação desse princípio, tal como o mesmo plenamente se afirmou no século XX, depois das limitações vividas durante o liberalismo.

Segundo o modelo que o texto constitucional concebe, podemos detectar a existência de três grandes dimensões que, cada uma a seu modo, se assumem como expressão desse princípio democrático[55]:

–  uma dimensão representativa – o princípio democrático implica que os governantes sejam escolhidos pelas pessoas, para mandatos limitados no tempo, na base de um sufrágio igual, directo, secreto;

–   uma dimensão referendária – o princípio democrático pressupõe que, para certas decisões mais relevantes, as pessoas sejam elevadas a decisores e decidam sim ou não quanto a certa questão;

–   uma dimensão participativa – o princípio democrático afirma-se ainda pela possibilidade do pleno exercício dos direitos fundamentais de natureza política, que permitem a construção da opinião pública, assim informalmente influenciando as decisões políticas.

Pergunta-se: quando a Constituição impõe que as associações públicas profissionais – na sua qualidade de parcela das associações públicas – tenham uma formação democrática para os seus órgãos, isso quer dizer que estas dimensões devem estar presentes, tal como elas são reflectidas pelo Estado?

 

IV. A resposta tem de ser positiva relativamente, pelo menos, a um núcleo central que seja constitutivo do princípio democrático, sob pena de este mesmo princípio ser completamente desvirtuado. O que funciona democraticamente para o Estado deve também funcionar do mesmo modo noutras instituições – como é também o caso das associações públicas profissionais.

Obviamente que esta afirmação geral tem de ser obtemperada pela realidade dessas associações profissionais, que pode muito bem impor limitações – estruturais e funcionais – à pura e simples aplicação daquele princípio. Ponto é saber que desvios ou limitações se consideram juridicamente atendíveis.

Vários são os factores que podem propiciar essas limitações, que só são constitucionalmente aceitáveis se materialmente justificadas:

–  o reduzido número dos associados – casos em que, para evitar “encarniçamentos burocráticos”, se pode prescindir de certos cuidados, como uma reduzida desconcentração geográfica de serviços ou um menor número de vogais para os órgãos colegiais, com manifesto prejuízo da proporcionalidade;

–  a necessidade da simplicidade burocrática – a qual pode impor que no processo de votação se admita o voto por correspondência, com preterição da regra da presencialidade do voto;

–   a escassez de recursos financeiros – esta podendo aconselhar à existência de mandatos mais prolongados, evitando-se a multiplicação dos actos eleitorais, ou a possibilidade de estabelecer um leque menos rígido de acumulações.

 

V. Como quer que seja, parece que há algumas práticas que devem ser consideradas como violando o princípio democrático, sendo inadmissíveis à luz do respeito integral do mesmo.

É o que acontece, em primeiro lugar, quando se admite, na definição da capacidade eleitoral activa, a possibilidade de certas pessoas terem um voto qualificado em comparação com os restantes membros da profissão.

É o que acontece, em segundo lugar, quando se aceita que a votação para órgãos colegiais mais importantes se possa fazer mediante o sistema maioritário e não o sistema proporcional, exigência constitucional que é igualmente aplicável a todas as instâncias públicas.

 

VI. A formação democrática dos órgãos das associações públicas profissionais não vale apenas no âmbito da designação dos titulares desses órgãos, ou da relação que eles devem manter com os seus associados – igualmente se faz sentir no modo como esses mesmos órgãos se apresentam estruturados, paredes-meias com o princípio da divisão dos poderes, que deve estar também presente.

De acordo com essa orientação, a estruturação interna das associações públicas profissionais deve obedecer ao esquema do tripartismo organizatório[56], segundo a qual se deve conceber a existência de três distintos órgãos:

–         um órgão executivo – de composição reduzida e que toma as decisões do quotidiano, representando a própria associação;

–         um órgão deliberativo – de composição alargada, sem funcionamento contínuo, e que toma as decisões mais importantes, sobretudo as relativas aos aspectos financeiros e aos aspectos estatutários; e

–         um órgão fiscalizador – de composição restrita e que tem a seu cargo o exercício de uma função de verificação do cumprimento da legalidade administrativa, financeira e deontológica.

Para além disso, existe um conjunto de regras que faz todo o sentido estabelecer numa lei-quadro, o qual fica a ser a grelha que deve orientar a formação dos estatutos de cada associação pública profissional que venha a ser criada posteriormente.

Eis algumas dessas possíveis regras, que assim exemplificativamente se indicam:

–         sistemas eleitorais;

–         duração dos mandatos;

–         composição dos órgãos;

–         opções quanto à reelegibilidade para certos cargos;

–         sistema de governo;

–         requisitos de capacidade eleitoral activa e passiva.

 

 

  1. 12.A intervenção dos tribunais administrativos

 

 

         I. É ainda necessário observar a relação das associações públicas profissionais com as entidades que são constitucionalmente competentes para intervir no julgamento dos litígios que possam nascer do seu âmbito.

A leitura de alguns dos estatutos das ordens profissionais existentes invariavelmente aponta para a intervenção da justiça administrativa, a qual é, desde a revisão de 1989, definida em termos materiais, uma vez que se apresenta restrita aos litígios atinentes às relações jurídicas administrativas.

Até esta 2ª revisão constitucional, a delimitação do raio de acção da jurisdição administrativa foi equacionada a partir das alusões à actividade administrativa pública, tendo em atenção os correspondentes actos, e com o simultâneo apelo ao papel conformativo da própria lei ordinária.

A verdade é que, depois da revisão constitucional de 1989, os termos da questão foram substancialmente alterados, pois que se adopta uma atitude acentuadamente substancialista, incidente mais no tipo de relação jurídica estabelecida e não tanto perspectivando o acto jurídico do qual emerge o litígio e pouca margem se conferindo à lei ordinária.

 

II. De acordo com a sua versão actual, o sistema constitucional português em matéria de justiça apresenta-nos uma pluralidade de tribunais e de jurisdições: pluralidade, consequentemente, não só em termos de matérias e de ramos de Direito que aplicam, mas igualmente sob o prisma do seu modo de funcionamento e organização[57].

Para além disso, ainda se admitem formas não jurisdicionalizadas de composição de litígios, as quais assentam nos tribunais arbitrais, modalidades que hoje em dia são cada vez mais frequentes para obviar à lentidão da justiça.

Afora os casos em que a cada tribunal está confiada uma parcela da jurisdição, ratione materiae, há ainda uma jurisdição – que é a jurisdição comum ou dos tribunais comuns – que tem uma competência residual: sempre que determinada questão não couber na competência jurisdicional de qualquer outro tribunal.

Neste contexto, a justiça administrativa ocupa um lugar especial na constelação constitucional da justiça portuguesa, àquela tal texto dedicando um espaço próprio, em vários aspectos, incluindo a sua hierarquia.

O critério que é enunciado para entregar uma certa causa aos tribunais administrativos é de teor material[58] e consiste n’ “…o julgamento das acções e dos recursos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas”[59].

 

III. O punctum saliens reside, pois, na indagação sobre o que a Constituição representou acerca desta noção, materialmente relevante, de relação jurídica administrativa, com o escopo de diferenciar entre a competência dos tribunais administrativos e a competência dos restantes tribunais.

Esta dúvida não é sequer um problema apenas de Constituição Judiciária, na qual o legislador constitucional terá traçado, mais ou menos formalmente, um conjunto de opções quanto ao modo de organizar os tribunais.

Bem ao invés: essas opções não são neutras e espelham orientações de fundo do legislador constitucional relativamente àquilo que projecta para a lógica da organização dos tribunais.

Provando que assim é, está a firme conclusão de que não pode haver manipulações nessa distribuição de competência – quer por parte do legislador ordinário, quer por parte dos julgadores das causas – sob pena de se violar a Constituição, nos seus diversos aspectos atinentes à reserva de jurisdição, que funciona não só contra a absorção do poder jurisdicional pelos outros poderes, legislativo e administrativo, mas também nos diversos tribunais entre si, havendo um deles que tenha uma competência especialmente definida, como é o caso dos tribunais administrativos[60].

 

IV. Apontando a Constituição para uma definição de âmbito material, somos forçados a apreciar a situação com base na própria caracterização do Direito Administrativo[61].

As relações jurídicas administrativas são precisamente aquelas que nascem, se modificam e se extinguem ao abrigo deste ramo do Direito, em tudo quanto tenha de singular, no universo dos restantes ramos do ordenamento jurídico, público e privado.

Apreciando o conceito proposto por DIOGO FREITAS DO AMARAL, o Direito Administrativo é definível como “…o ramo do Direito Público constituído pelo sistema de normas jurídicas que regulam a organização e o funcionamento da Administração Pública, bem como as relações por ela estabelecidas com outros sujeitos de direito no exercício da actividade administrativa de gestão pública”[62].

Desta noção, podemos sintetizar três importantes elementos:

–    que o Direito Administrativo é um ramo do Direito Público;

–  que tem no seu seio normas organizatórias, normas de funcionamento e normas de relacionação;

–  que este ramo do Direito não é todo o Direito aplicável à Administração Pública, tão-só aquele que rege a respectiva actividade de gestão pública.

Dado que o primeiro elemento não motiva dúvidas de maior, são os segundo e terceiro elementos que merecem ser especialmente analisados, comprovando a confluência de duas vertentes, uma de teor subjectivo e outra de teor objectivo.

Do ponto de vista subjectivo, o Direito Administrativo é não apenas o Direito aplicável à Administração Pública como inclusivamente pode juntar, através das normas relacionais, pessoas jurídicas que não são de Direito Público. Isso claro que não quer dizer que não haja normas sempre e inequivocamente administrativas, como são aquelas de índole formal e organizatória, que só têm razão de ser dentro e para a própria Administração Pública.

Do ponto de vista material, o Direito Administrativo, de acordo com a noção de gestão pública, implicita que o mesmo se desenvolva no reconhecimento de uma auto-tutela declarativa e executiva da Administração Pública, contra o que sucede com as normas de Direito Privado, em que tal fenómeno não existe. Assim se excluem da noção de Direito Administrativo as normas que, embora aplicáveis à Administração Pública, não reflectem o exercício de uma actividade de gestão pública, mas antes de gestão privada.

Resumindo: como referem J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “…as relações jurídicas controvertidas são reguladas, sob o ponto de vista material, pelo direito administrativo ou fiscal. Em termos negativos, isto significa que não estão aqui em causa litígios de natureza «privada» ou «jurídico-civil». Em termos positivos, um litígio emergente de relações jurídico-administrativas e fiscais será uma controvérsia sobre relações disciplinadas por normas de direitos administrativo e/ou fiscal”[63].

 

V. São duas as grandes consequências que se impõem na consideração do problema das instâncias jurisdicionais que devem possuir o poder de intervenção nos litígios emergentes em que são partes as associações públicas profissionais:

–   a necessidade de a intervenção dos tribunais administrativos, para os litígios emergentes da actividade dessas associações profissionais, se limitar às verdadeiras relações administrativas, e não simplesmente a tudo o que respeita à sua actividade;

–  a necessidade, perante a recente reserva constitucional de jurisdição administrativa, de a lei ordinária – o mesmo é dizer dos próprios estatutos das diversas ordens profissionais, pretéritos e futuros – ter de obedecer ao critério substancialmente recortado do domínio da intervenção da jurisdição administrativa por comparação com a dos tribunais comuns.

Em relação à primeira questão, já não é mais possível ver indistintamente ou indiferenciadamente – como que em “bloco” – a actividade que é desenvolvida pelas associações públicas profissionais. Apontando a Constituição para um conceito material de relação jurídica administrativa, só a actividade das associações públicas profissionais que se relacione com esta natureza de relação jurídica fica sendo susceptível de uma intervenção dos tribunais administrativos.

Somos forçados a excluir as relações jurídicas que sejam reguladas por outros ramos do Direito, maxime o Direito Privado, cada vez mais frequente na tendência geral de privatização do Direito que estamos vivendo. Se os litígios forem concernentes a estas relações jurídicas, os tribunais competentes não são os tribunais administrativos.

Para este mesmo facto nos alerta, quanto às associações públicas e ordens profissionais, MARCELO REBELO DE SOUSA, quando divisa na respectiva capacidade jurídica, uma capacidade jurídico-pública e uma capacidade jurídico-privada: “…pode afirmar-se que, genericamente, na capacidade jurídico-pública, merecem relevo os poderes regulamentar e de prática de actos administrativos, o dever de colaboração com o Estado-Administração, a subordinação ao regime de Direito Administrativo quanto à responsabilidade civil de órgãos e agentes por actos de gestão pública e a sujeição ao controlo do Provedor de Justiça e dos tribunais administrativos, a primeira para toda a sua actividade, a segunda para os actos de gestão pública”[64].

Existe também um conjunto de actos correspondentes à capacidade jurídico-privada, como também frisa MARCELO REBELO DE SOUSA: “…ela prevalece, em tudo quanto não resulte em sentido contrário, expressamente, da legislação específica vigente, no tocante à organização e actuação. Nomeadamente, pode o regime jurídico disciplinador do pessoal ou da gestão financeira ser de Direito Privado, se o contrário não decorrer do estatuto legislativo orgânico da associação considerada”[65].

 

VI. Quanto à outra dúvida, importa que as leis que organizam as associações públicas profissionais, do passado e do futuro, levem em linha de conta a novel orientação constitucional na delimitação dos casos que competem aos tribunais administrativos e dos casos que competem aos tribunais comuns.

A primeira hipótese a colocar, talvez sendo a mais segura de todas, reside na mera reprodução do texto constitucional, sem se adiantar o que quer que seja do ponto de vista da regulação que a lei ordinária leva a cabo, ainda que se possa aqui fazer a acusação da inutilidade da intervenção legal de carácter enquadrador.

A segunda hipótese conjecturável consiste na intervenção conceptual da lei ordinária, de alguma forma indicando as possíveis jurisdições com base nos conceitos constitucionalmente utilizados: nas relações jurídicas administrativas, os tribunais administrativos, e nas outras relações jurídicas, os outros tribunais.

A terceira hipótese seria a de uma intervenção da lei ordinária mais acertiva no sentido de especificar os casos da actividade das associações públicas profissionais – aplicando o critério constitucional – que competiriam aos tribunais administrativos e aqueles que competiriam aos tribunais comuns.

Como quer se seja, não parece que a lei ordinária – geral ou específica na criação de cada associação pública profissional – possa alguma vez ter liberdade de manipulação do critério constitucional, sob pena de inconstitucionalidade material, por violação da reserva constitucional da jurisdição administrativa.

É que a apreciação a respeito de quem são os tribunais competentes para julgar actos e relações em que intervenham as associações públicas profissionais deixou de ser uma livre opção do legislador – na lei geral de enquadramento ou em cada lei de criação das ordens profissionais – para ser uma estrita obrigação de obediência à lei constitucional, esta impondo a jurisdição administrativa para os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas.

 

 13.O tratamento fiscal em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas

 

         I. Finalmente, cumpre chamar a atenção para o regime fiscal da actividade que é desenvolvida pelas associações públicas profissionais, particularmente do ponto de vista da sua eventual sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas[66].

Estamos perante um tributo que visa taxar os rendimentos obtidos pelas actividades desenvolvidas pelas pessoas colectivas ou, não se tratando de uma diferente subjectividade, por entidades ou agrupamentos  equiparados[67].

A incidência do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas respeita ao lucro obtido, no caso de actividades com fim lucrativo, ou ao rendimento global, nos restantes casos[68].

A actividade executada pelas associações públicas profissionais, que são pessoas colectivas regidas pelo Direito Público, deve ainda suscitar a preocupação de saber em que termos podem ser tributadas ao nível deste tipo de tributo.

O tratamento fiscal das associações públicas profissionais não se resume, porém, a esta matéria, uma vez que o sistema fiscal, no que tenha de relação com as pessoas colectivas, não é apenas constituído pelo imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas. Mas, havendo a impossibilidade de se fazer todo esse exaustivo estudo, sem dúvida que ele se assume como o mais expressivo.

 

II. Se olharmos para a lei fiscal geral, que se consubstancia neste ponto no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas[69] (CIRC), verificamos que as associações públicas profissionais, tal como tivemos ocasião de as conceptualizar, são objecto de incidência subjectiva positiva.

Tendo uma estrutura de pessoa colectiva de Direito Público, são abrangidas pela norma geral de incidência subjectiva, que recorta no respectivo universo todas as pessoas colectivas: “São sujeitos passivos do IRC (…) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de Direito Público ou Privado, com sede ou direcção efectiva em território português”[70].

Essa não é ainda, contudo, uma resposta completamente satisfatória porque, a seguir às normas de incidência subjectiva, o CIRC faz funcionar normas que, posteriormente, impedem a acção da norma de tributação, através da aplicação de uma isenção subjectiva.

De um modo geral, essa isenção subjectiva é aplicável às entidades colectivas de Direito Público, conforme se estabelece no CIRC: “Estão isentos de IRC, excepto no que respeita a rendimentos de capitais tal como são definidos para efeitos de IRS, e ressalvado o previsto no nº 3 deste artigo (…) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos e, bem assim, as associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”[71].

Outros preceitos também existem que operam delimitações de isenção subjectiva, mas que não têm a mesma proximidade deste relativamente à possível inclusão das associações públicas profissionais. É de referir, por exemplo, o que se mostra atinente às pessoas colectivas de utilidade pública e de solidariedade social: “Estão isentas de IRC (…) As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, bem como as de mera utilidade pública que prossigam predominantemente fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência ou solidariedade social”[72].

Em nenhum destes preceitos, no entanto, é possível inserir as associações públicas profissionais e assim, à luz da lei fiscal geral, temos de concluir pela respectiva tributação em sede de IRC, respondendo separadamente com os dois preceitos[73]:

– não se integram no primeiro preceito porque as associações públicas profissionais, enquanto pertença da Administração Autónoma, não se adequam a qualquer uma das categorias visadas e nem sequer são entidades que tenham uma relação de dependência – como é o caso dos institutos públicos, que integram a Administração Indirecta – relativamente ao Estado, às Regiões Autónomas ou às autarquias locais;

– não se subsumem no outro preceito porque as associações públicas profissionais oferecem um substracto associativo, não um substracto fundacional, como sucede com as fundações, para além de serem entidades integradas na Administração Pública, não somente partilhando certos poderes de natureza pública.

 

III. As isenções fiscais que lhes sejam reconhecidas, em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, gorada a via da lei fiscal geral que se corporiza no CIRC, apenas podem ter então lugar através de actos legislativos avulsos, maxime dos que são constitutivos de cada associação pública profissional.

Essa possibilidade tem, no entanto, o importante constrangimento de carecer da intervenção da Assembleia da República, por dois caminhos possíveis:

–    através da legiferação parlamentar directa; ou

–  através da legiferação governamental previamente autorizada pela Assembleia da República.

Assim sucede porque em matéria fiscal vigora o princípio da legalidade[74], que concretamente se traduz no facto de estar pertencente ao complexo de matérias que integram a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República – “É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo (…) Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”[75].

É verdade que as isenções fiscais – uma das espécies de benefícios fiscais – não são aí directamente referidas. Mas por relação com a enunciação do princípio da legalidade[76], tratando-se sempre de matéria fiscal, é de concluir que a respectiva concessão só pode ser feita com a intervenção – directa ou autorizativa – da Assembleia da República, pela emanação de um acto formalmente legislativo.

 

IV. Um outro nível desta questão situa-se na conveniência jurídico-política da isenção fiscal das associações públicas profissionais no que toca à respectiva sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.

Torna-se assim necessário perscrutar a essência da isenção que é subjectivamente atribuída a quase todas as entidades públicas, tal como as mesmas se encontram actualmente desenhadas no próprio CIRC.

Estamos em crer que são essencialmente duas as razões que determinaram no legislador fiscal a vontade de efectuar a atribuição dessas isenções fiscais:

–         uma razão de simplicidade fiscal: sendo o produto das receitas fiscais cobradas a estas entidades destinadas ao poder público, não se justificaria que houvesse, em grande medida, a saída e a entrada de dinheiro na mesma instituição;

–         uma razão de justiça fiscal: sendo o produto das receitas originário de uma actividade pública, ao serviço de todos e sem cunho lucrativo, seria injusto tributar algo que a todos beneficia.

Relacionando estas duas razões com o caso das associações públicas profissionais, pelo menos a segunda delas é considerada aplicável: é que a actividade das associações públicas profissionais não tem qualquer natureza lucrativa e muito menos empresarial, pelo que não seria legítimo sujeitá-las a este tributo; trata-se de uma actividade prestadora, exercida no desenvolvimento de poderes de Direito Administrativo legalmente estabelecidos.

 

         V. Quer isto dizer que é possível formular uma opinião acerca do tratamento fiscal das associações públicas profissionais do ponto de vista da sujeição ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, tendo ao mesmo tempo presente as exigências constitucionais organizatórias e os princípios de justiça e de eficiência fiscal.

As associações públicas profissionais, dada a natureza da actividade que exercem, merecem beneficiar de uma isenção subjectiva em sede de IRC, dado que comungam das mesmas razões que presidem à isenção subjectiva que já se aplica a muitas entidades de Direito Público.

A verdade é que essa intervenção legislativa que as torna isentas é neste momento necessária porque isso não acontece através da aplicação da lei geral, nem isso sendo possível apenas através dos actos legislativos governamentais institutivos das mesmas se não forem parlamentarmente autorizados para o efeito e segundo o regime geral das leis de autorização legislativa.

Essa isenção subjectiva para as associações públicas profissionais, assim sendo, pode ser levada a efeito através de uma lei geral sobre o regime das associações profissionais, que directamente fixe, em permanência, a aplicação dessa isenção fiscal subjectiva em sede de IRC.

Não é possível que essa isenção subjectiva seja conferida para cada acto posterior de criação das associações públicas profissionais porque isso representaria um prolongamento no tempo dessa faculdade, sempre de todo em todo incompatível com o princípio da temporalidade das autorizações legislativas, que na pior das hipóteses não podem ultrapassar a legislatura.

 

 

         § 5º CONCLUSÕES

 

14.Enunciado

Do exposto, podemos extrair as seguintes conclusões:

Quanto ao § 1º:

a) A organização administrativa portuguesa esteia-se na summa divisio que distingue entre a Administração Directa do Estado, a Administração Indirecta do Estado e a Administração Autónoma;

b) Cada uma delas projecta fenómenos administrativos diferenciados, de centralização na primeira, de descentralização funcional na segunda e de descentralização associativa e territorial na terceira;

c) Isto está, aliás, de harmonia com os poderes de intervenção do Estado em cada um desses sectores, mais exigente pelo poder de direcção na Administração Directa, com uma intensidade intermédia pelo poder de superintendência na Administração Indirecta e de reduzido vigor pelo poder tutelar na Administração Autónoma;

d) A Administração Autónoma, por seu lado, também acolhe no seu seio duas realidades distintas: as associações públicas, de um lado, e as Regiões Autónomas e as autarquias locais, do outro lado, estas na qualidade de pessoas colectivas de população e território;

e) As associações públicas, numa das múltiplas classificações de que são susceptíveis, admitem a existência de entidades privadas, as quais correspondem às associações públicas profissionais, também designadas por ordens profissionais;

f) Estas têm como elementos específicos o material – ligado que está a uma actividade profissional com certos contornos – e o funcional – que se exprime nos poderes de regulação e disciplina dessa profissão; elementos que se juntam aos elementos sempre presentes em qualquer associação pública, que são o formal (pessoa colectiva de Direito Público), o estrutural (substrato associativo) e o teleológico (fins próprios);

g) Um olhar sobre a Administração Pública Portuguesa permite encontrar numerosos exemplos de associações públicas profissionais, seguindo um tipo anglo-saxónico de intervenção pública, com uma certa uniformidade de cláusulas estatutárias, ainda que se possa separar uma primeira fase – para profissões liberais mais antigas – e uma fase recente – de reconhecimento de novas profissões, com a criação das respectivas associações;

 

Quanto ao § 2º:

a) A relevância constitucional das associações públicas profissionais afere-se pela correspondente categoria geral e também por preceitos que especificamente se lhe dirigem;

b) Numa perspectiva organizatória, essa relevância mede-se pela localização da respectiva legislação na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, bem como pelo poder tutelar governamental e, bem assim, pela ligação das associações públicas ao princípio da descentralização administrativa;

c) Numa perspectiva material, com maior quantidade de regras, essa relevância vislumbra-se no facto de as associações públicas não só serem pertinentes para os princípios da participação e da democracia na Administração Pública como também pelo facto de contarem com regras privativas quanto à limitação da respectiva constituição, quanto à impossibilidade de se sobreporem às funções sindicais, quanto à necessidade de serem conformes ao respeito pelos direitos dos seus membros e quanto ao cabal cumprimento do princípio democrático na formação dos seus órgãos;

d) As associações públicas profissionais adquirem importância constitucional indirecta porque são admitidas no contexto da limitação da liberdade profissional, em nome da intervenção do poder público em ordem à defesa do interesse colectivo;

 

Quanto ao § 3º:

a) A primeira questão a equacionar, no plano geral do enquadramento legal das associações públicas profissionais que se pretende estabelecer, respeita aos termos, formais e materiais, por que se deve conceber tal legislação;

b) É que, da perspectiva formal, o princípio geral do Direito Constitucional não admite diferentes eficácias revogatórias ou derrogatórias para uma mesma localização hierárquica;

c) Não obstante essa afirmação geral, em certos casos, o Direito Constitucional Português admite a existência de leis com valor reforçado, que – mesmo estando num idêntico nível hierárquico – podem prevalecer sobre outros actos legislativos;

d) Quanto a saber se a lei de enquadramento das associações públicas profissionais pode candidatar-se a esse estatuto de lei com valor reforçado, nenhuma específica indicação constitucional se afirma a esse propósito;

e) O que não é, no entanto, uma dificuldade inultrapassável para se obter uma resposta positiva porque essa função parametrizante que se lhe deve atribuir deriva da preocupação constitucional com a própria intervenção legislativa parlamentar na erecção de um regime que possa ser geral quanto às associações públicas;

f) Daí que pareça mais indicado denominar-se essa lei por “lei-quadro” e não tanto por “lei de bases”, na medida em que se trata de fazer um enquadramento geral e não apenas definir as bases do regime geral das associações públicas profissionais;

g) Por outro lado, também no plano material, não cremos que possam existir dúvidas quanto à possibilidade do estabelecimento daquele regime de enquadramento, dada a enorme vantagem e ainda a possibilidade de se fixarem normas de carácter abrangente a qualquer associação pública profissional;

h) Outra questão de carácter geral respeita ao tipo de Direito que se deve considerar subsidiariamente aplicável às associações públicas profissionais;

i) O Direito subsidiário que está em questão é de cariz intermédio porque corresponde a uma relação entre normas administrativas gerais e normas administrativas especiais, que não existem no âmbito específico do regime das associações públicas profissionais;

j) Entre aplicar as normas de Direito Privado, por causa da natureza associativa, e as normas de Direito Administrativo, por causa da criação pública, deve-se optar por umas ou por outras em função do tipo de problema que, em concreto, deva ser resolvido, embora o carácter privado das entidades que se associam acentue mais o pendor privatístico desse Direito subsidiário;

k) Terceira e última questão a esclarecer em sede geral refere-se à natureza jurídica do acto de criação das associações públicas profissionais;

l) A prática legislativa tem sido uniforme no sentido de a criação das ordens profissionais ser feita através de acto legislativo governamental, embora em comunicação com os profissionais directamente interessados;

m) A verdade, porém, é que essa prática não apaga dúvidas quer quanto à natureza unilateral do acto – porque surge da vontade governamental – quer quanto à sua feição alheia à respectiva base associativa – porque desligada das pessoas que são o substracto da associação;

n) A primeira das duas questões a colocar – a consideração da estrutura unilateral do acto de criação – não pode, contudo, levar à simples invalidação da mesma, uma vez que há constitucionalmente espaço para esse tipo de criação em atenção aos poderes de autoridade pública que vão revestir a nova pessoa colectiva;

o) A outra dessas duas questões – se natureza legislativa ou se natureza administrativa no acto de criação – resolve-se preferindo a primeira porquanto se intervém num domínio duplamente reservado ao Parlamento – como associação pública e como direitos, liberdades e garantias;

p) Deve ser a Assembleia da República o órgão legislativamente competente, salvo autorização ao Governo, e não se deve admitir a intervenção das assembleias legislativas regionais por se tratar de matéria reservada aos órgãos da República;

 

Quanto ao § 4º:

a) Nos aspectos a apreciar no regime do enquadramento das associações públicas profissionais, o primeiro deles respeita ao conjunto das respectivas atribuições, limitando-se o texto constitucional a mencionar matérias obrigatórias e a matérias proibidas;

b) Naquele primeiro plano, o princípio da necessidade – que também nas atribuições vai funcionar, e não apenas no acto de constituição – implica que a criação e os poderes das associações públicas profissionais devem ser especialmente equacionados em face de exigências muito fortes de intervenção do poder público;

c) Neste outro plano, as funções de natureza sindical – como a contratação colectiva, a participação na elaboração da legislação laboral ou o exercício do direito à greve – são terminantemente excluídas do campo das finalidades que as associações públicas profissionais vão prosseguir;

d) O principal problema é sempre, todavia, o da definição do âmbito profissional em que se torna necessário criar uma associação profissional, ainda que se possam estabelecer requisitos de cujo preenchimento depende a sua criação em concreto, como sejam a elevada autonomia científica e técnica da profissão a ponderar, o número de pessoas que a praticam e uma interacção ampla com terceiros, índices esses que, conjugados entre si, devem criar um suficiente nível de responsabilidade para fazer intervir o poder público através da criação de uma associação com estas feições;

e) Dois são os conteúdos sempre necessários numa associação pública profissional: um conteúdo regulador do acesso e do exercício da profissão, com o objectivo de a manter em padrões de proficiência; e um conteúdo disciplinar, de forma a garantir o cumprimento da legalidade deontológica da profissão;

f) Conteúdos possíveis das associações públicas profissionais são ainda a representação da classe profissional, o apoio aos seus membros e várias incumbências de natureza administrativa e burocrática;

g) Aspecto que, no âmbito da especialidade, também deve merecer a nossa atenção refere-se à defesa dos direitos dos associados, tanto numa lógica de relação com a própria associação como numa lógica geral de relação com as outras pessoas;

h) Quanto à primeira vertente, o facto de a associação pública profissional se constituir não atropela o exercício de certos direitos que os membros têm contra ela própria, sobretudo de participação e de contestação nas instâncias judiciárias das decisões que venham a ser tomadas;

i) Quanto à outra vertente, rejeita-se a inserção dos associados numa qualquer relação especial de poder, gozando de todos os direitos fundamentais genericamente reconhecidos, naturalmente à excepção das limitações impostas ao exercício da liberdade de profissão por via da criação da associação pública profissional;

j) Tema que igualmente deve merecer atenção é o da organização interna das associações públicas profissionais, que deve respeitar o princípio democrático;

k) O que não é, de resto, caso único, uma vez que, do ponto de vista constitucional, para outras pessoas colectivas – os partidos políticos e os sindicatos – também se apela à preservação do mesmo princípio na respectiva estruturação interna;

l) Ao nível do Estado, onde ganha a maior densidade regulativa possível, o princípio democrático abrange as dimensões representativa (pela eleição dos governantes), referendária (pela realização de referendos sobre as grandes questões nacionais) e participativa (pela possibilidade de intervenção na opinião pública através do exercício dos direitos políticos de participação);

m) Quando a Constituição impõe o respeito por este princípio na organização interna das associações públicas profissionais, isso quer dizer que, no mínimo, é necessário levar em consideração o seu núcleo central, quanto a uma legitimidade democrática dos órgãos e das actuações, a despeito de poderem ser estabelecidos pequenos desvios por motivos funcionais ou estruturais;

n) Seja como for, há situações que nunca são aceitáveis, como o que sucede com o voto qualificado ou com a imposição de um sistema maioritário em órgãos de assembleia;

o) Este princípio democrático, enquanto conexo com o princípio da separação de poderes, implica ainda a existência de um tripartismo organizativo, pela consagração de um órgão executivo, de um órgão deliberativo e de um órgão fiscalizador;

p) Outro assunto com extrema importância no regime do enquadramento das associações públicas profissionais relaciona-se com o tipo de tribunais que devem ser chamados a intervir perante a emergência de um litígio em que elas participem;

q) Segundo o sistema constitucional, a jurisdição administrativa está materialmente restrita às relações jurídicas administrativas, sendo a jurisdição comum residual para os restantes casos de aplicação da função jurisdicional;

r) O ponto é, então, saber o que entendeu a Constituição acerca do conceito de relações jurídicas administrativas, com isso também estabelecendo uma reserva de jurisdição administrativa;

s) Ora, elas são definíveis de acordo com a ideia de que pressupõem a aplicação do Direito Administrativo e a existência de actos de gestão pública, nos quais haja uma intervenção administrativa revestida de uma auto-tutela declarativa e executiva;

t) Quer isto dizer que, em primeiro lugar, os tribunais administrativos só podem intervir na composição dos litígios que resultem de relações jurídicas administrativas, não de quaisquer outros em que as associações públicas profissionais se vejam envolvidas;

u) Por outro lado, a lei ordinária – no caso, a lei de enquadramento dessas associações – não tem margem de manipulação dessa intervenção, resguardada como está pela Constituição, havendo diversos papéis que pode ainda assim desempenhar, desde a remissão para o texto constitucional até à especificação dos casos em que há intervenção dos diferentes tribunais, passando pelo aspecto intermédio de distinção conceptual entre a intervenção dos tribunais administrativos e a dos restantes tribunais;

v) Por último, importa perspectivar o tratamento fiscal das associações públicas profissionais em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, não sendo essa, contudo, a única questão fiscal pertinente;

w) Observando a lei fiscal geral, verificamos que as associações públicas profissionais estão sujeitas a tributação, não usufruindo das normas de isenção subjectiva que beneficiam outras entidades públicas;

x) Mas pode acontecer por vezes e avulsamente a concessão de uma isenção fiscal nos próprios estatutos que procedem à respectiva criação, embora o Parlamento deva sempre intervir a título directo ou a título de autorização;

y) Diferente é saber se essa isenção subjectiva tem razão de ser, resposta que deve ser afirmativa, no que às associações públicas profissionais toca, por causa dos poderes públicos que exercem;

z) A inserção de uma isenção subjectiva em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas na lei de enquadramento das associações públicas profissionais, para alcançar esse objectivo, afigura-se necessária dado o facto de a mesma carecer de uma intervenção parlamentar, o que seria extremamente inconveniente sempre que cada uma dessas associações viesse a ser

 

Lisboa, 16 de Outubro de 2000.

 


[1] Publicado em AAVV, Direito em Questão – aspetos principiológicos da Justiça, Editora da Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, 2001, pp. 257 e ss., e em Jorge Bacelar Gouveia, Novos Estudos de Direito Público, Âncora Editora, Lisboa, 2002, pp. 273-333 (ISBN 972-780-108-0).

[2] Doutor em Direito e Professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa ( jbg@fd.unl.pt).

[3] Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, I, 2ª ed., Coimbra, 1994, pp. 393 e ss. No mesmo sentido, J. M. SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1982, pp. 144 e ss.; JOÃO CAUPERS, Direito Administrativo I – guia de estudo, 4ª ed., Lisboa, 1999, pp. 266 e ss., e pp. 292 e ss.; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra, 1997, pp. 104 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, I, Lisboa, 1999, pp. 157 e ss., e pp. 239 e ss.

[4] JOÃO CAUPERS, Direito…, p. 296.

[5] Relativamente à caracterização destes fenómenos, v. ANTÓNIO NADAIS, ANTÓNIO VITORINO e VITALINO CANAS, Constituição da República Portuguesa – texto e comentários à Lei Constitucional 1/82, Lisboa, 1983, pp. 240 e 241; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 781 e 782; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 657 e ss.; JOÃO CAUPERS, Direito…, pp. 276 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 51 e ss., e pp. 227 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição da República Portuguesa comentada, Lisboa, 1999, pp. 324 e 325.

[6] Cfr. o art. 199º, al. d), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

[7] Quanto à Administração Autónoma, v. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 396 e ss.; JOÃO CAUPERS, Direito…, pp. 296 e ss.; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma…, pp. 23 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 311 e ss.

[8] Assim, JOÃO CAUPERS, Direito…, pp. 265 e 266.

[9] Assim, JORGE MIRANDA, As associações públicas no Direito Português, Lisboa, 1985, pp. 25 e 26; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 414 e ss.

[10] Sobre as associações públicas, v. JORGE MIRANDA, As associações públicas…, pp. 14 e ss., e Ordem profissional, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, VI, Lisboa, 1994, pp. 229 e ss.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 399 e ss.; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma…, pp. 255 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 316 e ss.

[11] Assim, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 402 e ss.;  MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 313 e ss.

[12] V. ainda outras possíveis modalidades, tal como elas são apresentadas por JORGE MIRANDA, As associações públicas…, p. 15.

[13] Especificamente sobre as ordens profissionais, v. JORGE MIRANDA, As associações públicas…, pp. 29 e ss., Ordem…, pp. 230 e ss., e Manual de Direito Constitucional, IV, 3ª ed., Coimbra, 2000, pp. 506 e ss.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 405 e ss.; VITAL MOREIRA, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, 1997, pp. 257 e ss., e em especial pp. 287 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 319 e ss.

[14] Ainda que seja necessário dizer que achamos mais correcta a expressão “associações públicas profissionais” porque, nestas, nem todas têm aquela terminologia de “ordem” e, sobretudo, porque nem todas possuem o lastro cultural que tem acompanhado a formação e o desenvolvimento das ordens profissionais stricto sensu.

[15] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 314.

[16] Referindo várias modalidades alternativas de intervenção administrativa, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, p. 408; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 320.

[17] Sobre o estatuto constitucional das associações públicas, incluindo as ordens profissionais, v. ANTÓNIO NADAIS, ANTÓNIO VITORINO e VITALINO CANAS, Constituição…, p. 277; JORGE MIRANDA, As associações públicas…, pp. 26 e 27, eOrdem…, pp. 231 e ss.; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, pp. 929 e 930; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 410 e 411; VITAL MOREIRA, Administração Autónoma…, pp. 420 e ss., e O Governo de Baco – a organização institucional do Vinho do Porto, Porto, 1998, pp. 221 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 313; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, p. 398.

[18] Art. 165º, nº 1, al. s), da CRP.

[19] Art. 199º, al. d)in fine, da CRP.

[20] Art. 6º, nº 1, da CRP.

[21] Cfr. o art. 267º, nº 1, da CRP.

[22] Todos constantes do art. 267º, nº 4, da CRP.

[23] Art. 47º, nº 1, da CRP.

[24] Art. 112º, nº 2, da CRP.

[25] Art. 112º, nº 3, da CRP.

[26] Relativamente às leis de valor reforçado no actual Direito Constitucional Português, v. JORGE BACELAR GOUVEIA, Opinião sobre a revisão constitucional de 1997 e o sistema de actos legislativos, in Legislação – Cadernos de Ciência de Legislação, nºs 19-20, Abril-Dezembro de 1997, pp. 59 e ss., e O estado de excepção no Direito Constitucional, II, Coimbra, 1998, pp. 1218 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, V, Coimbra, 1997, pp. 344 e ss.; CARLOS BLANCO DE MORAIS, Lei reforçada, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, 1º suplemento, Lisboa, 1998, pp. 139 e ss.; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra, 1999, pp. 695 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, pp. 227 e 228.

[27] Cfr. JORGE BACELAR GOUVEIA, Opinião…, p. 60.

[28] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, p. 676.

[29] Claro que isso não impediria a Assembleia da República, ainda assim, de apenas legislar em matéria de bases; só que tal não seria depois harmónico com uma segunda intervenção e sobretudo seria funcionalmente pouco útil, porquanto faltariam sempre outras normas indispensáveis dentro da lógica de se fazer uma regulação global sobre as associações públicas, de que se carece.

[30] Essa mesma expressão é também utilizada por J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, p. 676.

[31] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 315 e 316.

[32] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 316.

[33] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 316.

[34] Quanto à problemática geral do Direito subsidiário, v., de entre outros, J. DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 4ª ed., Lisboa, 1972, pp. 171 e ss.; JORGE BACELAR GOUVEIA, O estado de excepção…, II, pp. 1451 e 1452.

[35] J. DIAS MARQUES, Introdução…, pp. 172 e 173.

[36] Cfr. JORGE MIRANDA, As associações públicas…, p. 25

[37] Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, I, Lisboa, 1984, p. 500.

[38] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, p. 409.

 

[39] Quanto à reserva de lei no domínio dos direitos, liberdades e garantias, v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, pp. 145 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, pp. 281 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual…, IV, pp. 376 e ss.

[40] Frisando a reserva de lei no aspecto da restrição dos direitos, liberdades e garantias, v. MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, pp. 97 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual…, IV, pp. 327 e ss.

[41] Afastamo-nos, assim, da possibilidade que J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (Constituição…, p. 676) aventam de, com uma lei-quadro das associações públicas, a criação destas poder ser feita apenas pelo Governo.

[42] VITAL MOREIRA, Administração Autónoma…, p. 478.

[43] Para um importante conspecto geral, VITAL MOREIRA, Auto-Regulação…, pp. 264 e ss.

[44] Cfr. JORGE MIRANDA, Ordem…, p. 232.

[45] Importante corolário é também, como frisa MARCELO REBELO DE SOUSA, o carácter necessariamente nacional das ordens profissionais e das associações públicas: “Por cada fim de interesse público a prosseguir a nível nacional, regional ou local, só pode, em princípio, existir uma associação pública, de acordo com o princípio da unicidade”.  Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 317.

[46] Cfr. JORGE MIRANDA, Ordem…, p. 232.

[47] Conforme se pode ver, aliás, pelo art. 56º da CRP.

[48] Relativamente ao recorte material da actividade dos sindicatos, v. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pp. 441 e ss.; BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Lisboa/São Paulo, 1992, pp. 109 e ss.; MÁRIO PINTO, Direito do Trabalho, Lisboa, 1996, pp. 179 e ss.

[49] JORGE MIRANDA, Ordem…, p. 231.

[50] Cfr. VITAL MOREIRA, Auto-Regulação…, pp. 265 e ss.

[51] Cfr. JORGE MIRANDA, Ordem…, p. 234.

[52] Assim, JORGE MIRANDA, Ordem…, p. 234.

[53] Art. 51º, nº 5, da CRP.

[54] Art. 55º, nº 3, da CRP.

[55] Relativamente à configuração do princípio democrático, nestas suas diversas vertentes, v. J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp. 76 e ss.; VITALINO CANAS, Preliminares do Estudo da Ciência Política, Macau, 1992, pp. 98 e ss.; JORGE BACELAR GOUVEIA, O princípio democrático no novo Direito Constitucional Moçambicano, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, XXXVI, 1995, nº 2, pp. 459 e ss.; JORGE MIRANDA, Ciência Política – formas de governo, Lisboa, 1996, pp. 141 e ss.

[56] Cfr. MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 315 e 316.

[57] Cfr., de entre outros, DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1989, pp. 136 e ss., e Sumários de Introdução ao Direito, 2ª ed., Lisboa, 1999, pp. 54 e ss.; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL CANOTILHO, Fundamentos…, pp. 222 e ss., e Constituição…, pp. 791 e ss.; ANTÓNIO MARTINEZ VALADAS PRETO, Jurisdição, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, V, Lisboa, 1993, pp. 332 e ss.; JOÃO CAUPERS e JOÃO RAPOSO, Contencioso Administrativo, Lisboa, 1994, p. 18; JORGE BACELAR GOUVEIA, O estado de excepção…, II, pp. 1195 e ss.; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, A justiça administrativa, 2ª ed., Coimbra, 1999, pp. 9 e ss.; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional…, pp. 620 e ss.; JORGE MIRANDA, Manual…, IV, pp. 256 e ss.

[58] Pois como escreve JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE (A justiça…, pp. 11 e 12), “A utilização de um critério material de delimitação pressupõe obviamente a existência de um regime de administrativa executiva, em que se define um domínio de actividade, a função administrativa, e, nesse contexto, um conjunto de relações onde a Administração é dotada de poderes de autoridade para cumprimento das suas principais tarefas de realização do interesse público – aí se justifica um sistema de regras e de princípios diferentes das normas de Direito Privado, que formam uma ordem jurídica administrativa”.

[59] Art. 212º, nº 3, da CRP.

[60] Quanto a esta reserva constitucional da jurisdição administrativa, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, pp. 813 e ss.; JORGE BACELAR GOUVEIA, O estado de excepção…, II, p. 1199; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional…, p. 628; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, p. 339.

[61] Com vários contributos a este propósito: J. M. SÉRVULO CORREIA, Noções…, I, pp. 50 e ss.; MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., Coimbra, 1991, pp. 42 e ss.; DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, pp. 128 e ss.; JOÃO CAUPERS, Direito…, pp. 53 e ss.; MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, pp. 55 e ss.

[62] DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso…, I, p. 130.

[63] J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, p. 815.

[64] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 317. Num sentido um pouco divergente, JORGE MIRANDA somente refere a intervenção dos tribunais administrativos (Ordem…, p. 234).

[65] MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições…, I, p. 318.

[66] Quanto ao imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, v., de entre outros, SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, 7ª ed., Coimbra, 1993, pp. 573 e ss.; BELMIRO MOITA DA COSTA, O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas, Coimbra, 1997, passim; J. L. SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1998, pp. 227 e ss.; NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, 10ª ed., Lisboa, 1999, pp. 215 e ss.; JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, Coimbra, 2000, pp. 358 e ss.

[67] Cfr. os arts. 1º e 2º do CIRC.

[68] Cfr. o art. 3º do CIRC.

[69] Aprovado pelo Decreto-Lei nº 442-B/88, de 30 de Novembro, com alterações posteriores.

[70] Art. 2º, nº 1, al. a), do CIRC.

[71] Art. 8º, nº 1, al. a), do CIRC.

[72] Art. 9º, nº 1, al. a), do CIRC.

[73] Quanto ao recorte interpretativo destes preceitos, v. SOARES MARTÍNEZ, Direito…, pp. 580 e 581; NUNO SÁ GOMES, Manual…, I, pp. 218 e 219; JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito…, pp. 363 e 364.

[74] A respeito das diversas incidências do princípio da legalidade fiscal, incluindo este ponto da reserva parlamentar de legiferação, v. JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA, Curso de Direito Fiscal, 2ª ed., Coimbra, 1972, pp. 162 e ss.; ALBERTO XAVIER, Manual de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1974, pp. 109 e ss.; CARLOS PAMPLONA CORTE-REAL, Curso de Direito Fiscal, I, Lisboa, 1981, pp. 74 e ss.; J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição…, pp. 457 e ss.; SOARES MARTÍNEZ, Direito…, pp. 106 e 107; MARCELO REBELO DE SOUSA e JOSÉ DE MELO ALEXANDRINO, Constituição…, pp. 213 e 214; NUNO SÁ GOMES, Manual de Direito Fiscal, II, Lisboa, 1999, pp. 33 e ss.;  JORGE BACELAR GOUVEIA, Considerações sobre as Constituições fiscais na União Europeia, in IDEM, Estudos de Direito Público, I, Lisboa, 2000, pp. 232 e ss.; JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito…, pp. 139 e ss.

[75] Art. 165º, nº 1, al. i), da CRP.

[76] Benefícios fiscais que ficam integrados na reserva de lei, tal como dispõe o art. 103º, nº 2, da CRP: “Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”.

AS ASSOCIAÇÕES PÚBLICAS PROFISSIONAIS NO DIREITO PORTUGUÊS